sexta-feira, 22 de agosto de 2008

Memória olímpica (IX)


O senhor atletismo

A primeira medalha do atletismo português, conquistada em 1976, bem como o primeiro título olímpico nacional, em 1984, ambos alcançados por Carlos Lopes, tiveram um obreiro: Mário Moniz Pereira. Um técnico que teve o grande mérito de acreditar que, com algumas condições, os nossos atletas também podiam ser campeões.
Durante anos, o experiente treinador do Sporting e dos melhores atletas nacionais foi aprendendo que os seus pupilos só se diferenciavam dos homens que os venciam porque treinavam menos.
Uma longa carreira, na qual contam dez presenças em jogos olímpicos, de Londre’48 a Barcelona’92, intervalada apenas em Melbourne’56, porque o atletismo português não se fez representar, e em Moscovo’80, dado os seus atletas terem optado por aceirar a sugestão de boicote feita pelo governo.
Moniz Pereira já tinha ficado por duas vezes à porta do sucesso, quando atletas seus se abeiraram das medalhas. Álvaro Dias na prova do salto em comprimento dos campeonatos da Europa, em 1950 – “só não ganhou por se ter lesionado”, garante o técnico – e Manuel de Oliveira, nos jogos olímpicos de Tóquio, nos 3000 metros obstáculos. Dois quartos lugares que não fizeram desanimar um homem que como atleta apenas por uma vez vestiu a camisola da selecção nacional, curiosamente na sua segunda modalidade, o voleibol.
Moniz Pereira sabia esperar (começou a carreira em 1945), como sabia lutar contra as contrariedades, como lhe aconteceu aos 29 anos. Nessa altura, não foi por ter sido impedido de continuar a praticar o atletismo, alegadamente por profissionalismo (estatuto que lhe foi atribuído por ser professor de Educação Física), nem por ter ficado às portas da internacionalização (foi suplente num Portugal-Espanha) que trocou o primeiro amor desportivo da sua vida pelo segundo, o voleibol.
Nesta modalidade teve o prazer de jogar até aos 50 anos e de ser campeão nacional numa equipa, o CDUL, onde também se integrava o seu filho.
Com as alterações políticas registadas em Portugal em 1974, Moniz Pereira percebeu que era chegada a hora de convencer os governantes da sua convicção de que “era tudo uma questão de trabalho e de haver condições para esse trabalho se desenvolver”.
No ano seguinte, recebeu “luz verde” para o seu projecto. A partir de Outubro – a menos de um ano dos jogos de Montreal -, um grupo de sete atletas passou a estar liberto dos respectivos empregos da parte da manhã e a cumprir um horário laboral entre as 14 e as 16 horas. Só assim era possível fazer treino bi-diário.
Os resultados surgiram muito rapidamente. A partir de Janeiro, Carlos Lopes não perdeu qualquer prova. Em Março, alcançou o seu primeiro título mundial de corta-mato.
O técnico, contudo, só acreditou que a primeira medalha seria uma realidade quando Lopes, como atleta convidado de um encontro entre a RFA e a URSS, melhorou o record nacional dos 10 000 metros, em 45 segundos, fixando-o num tempo com valia internacional: 27 minutos e 45,8 segundos.
Em Montreal’76, Carlos Lopes foi o cartão de visita de uma delegação histórica. Mas, também José Carvalho (quinto lugar), Aniceto Simões (oitavo posto) Fernando Mamede e Hélder Jesus, que passaram as respectivas eliminatórias, fizeram vibrar o país. Uma actuação colectiva brilhante, que teve por base, segundo o seu responsável, o facto de ser “uma equipa unida, que treinava sempre em conjunto e com o mesmo treinador”.
Moniz Pereira: um homem com ideias próprias e com a mesma postura patriótica de sempre. Por isso, não tem qualquer rebuço em afirmar que depois de ter assistido a dez edições dos jogos, “Lopes e Mamede foram os melhores atletas mundiais de sempre!.



(in “Jogos Olímpicos – um século de glória”, edição jornal O Público)

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