Entrevista
Augusto Alberto: "É muito difícil repetir"O maior feito do remo figueirense, a vitória do shell8+ do Ginásio no campeonato nacional, fez 5 anos no passado dia 15. Porque poderá parecer estranho ser esta vitória ainda única numa cidade virada para o desporto e em que esta modalidade tem grandes tradições, a “aldeia olímpica” entrevistou um dos obreiros desse feito: Augusto Alberto. Para quem poderá não saber era o treinador e o timoneiro do conjunto vencedor. Depois de ter passado pela selecção principal e pela sub-23 está agora com o projecto paraolímpico.
Ele mesmo, o colaborador deste blogue, teve a gentileza de responder a algumas questões. Ei-las.
Antes da prova equacionaram a hipótese de chegar à vitória?
Reunidas as condições humanas necessárias, e estando consolidada a base material e logística, claramente se colocou como o único objectivo, pela primeira vez, a vitória no Campeonato Nacional.
Numa cidade onde o remo tem forte implantação como se explica que este êxito seja único? Que significado poderá ter?
É preciso esclarecer que a modalidade passou por um longo período de apagamento, por razões várias, entre o início da década de 50 e o início da década de 80, do século passado, três décadas. Este apagamento colocou a modalidade numa situação de aflitiva inferioridade, logo à partida, do ponto de vista material. No início do seu período de recuperação, o remo da Figueira não reunia condições materiais e logísticas para se afirmar do ponto de vista da qualidade. Do mesmo passo, necessariamente não foram criados atletas de qualidade, com o hábito do treino e da competição de um modo sério, consistente e contínuo. Desse modo, não poderia existir, especificamente, tradição do treino e competição neste barco. Quando a modalidade principiou a sua recuperação, naturalmente as cautelas e o receio de competir, sobretudo num barco tão rápido e exigente, foram sempre muitas. O percurso foi feito paulatinamente noutros barcos, ao mesmo tempo que se foi criando o hábito do shell 8 nos escalões de formação, com inteiro êxito, diga-se. Foi, pois, necessário romper com o medo de treinar e competir neste barco e isso foi um longo processo.
À medida que as condições se foram reunindo, foi necessário estar atento à vontade dos atletas. Essa vontade está sempre datada no tempo, porque nem sempre se conseguem reunir com vista a este desafio, que é enorme, porque é complexo, tanto do ponto de vista do treino técnico, físico e de grande exigência do ponto de vista da estabilidade emocional. Por outro lado, são precisos entre 10/12 atletas, sendo que no final só 8 são os eleitos e essa escolha é sempre muito dramática para o treinador, que é quem decide em última análise…
E se decide mal? É frequente isso acontecer neste desporto?
…bem, a questão foi que começamos com 10 atletas à partida com hipóteses de remar no shell 8 e acabamos com 9. Foi necessário decidir finalmente o atleta não legível, que trabalhou do mesmo modo, competiu também no conjunto das regatas que suportaram a preparação da equipa, mas acabou por não ser o escolhido. No dia da escolha o treinador sofreu e sofreu o atleta, que apesar de ser o 9º atleta, criou inicialmente expectativas sérias a propósito de um objectivo que era muito relevante do ponto de vista do seu espólio desportivo. Com a agravante do atleta em causa, ser o atleta de maior relação afectiva e cumplicidade com o treinador. Ambos travaram muitas batalhas desportivas juntos e estiveram juntos na equipa nacional, mas, verdadeiramente, a escolha do ponto de vista do treinador, tinha de ser essa.
A margem de erro nesta modalidade é relativamente mais baixa porque ela é mensurável e não casuística, embora como em tudo na vida, o erro é sempre possível. Aliás, nesta matéria, os melhores são sempre os que melhor decidem, porque aumentam a sua taxa de êxito.
Mas como estava a dizer, no ano dessa vitória, estavam resolvidas as questões basilares, com um modelo de treino em linha com um esforço máximo de 6 minutos, número redondo, físico e técnico, e com uma óptima estratégia, que definiu que durante a época, apesar de múltiplas competições neste barco, só uma nos interessava, o titulo nacional. Nessa época, só por duas vezes a equipa foi ganhadora. O campeonato Nacional e 15 dias após, a vitória na Taça de Portugal.
Que hipóteses existem de se repetir, uma vez que as condições para a prática da modalidade são, pelo que se ouve, boas?
Existe sempre hipótese, desde que criada a tempo, mas a questão, é de que na falta da tradição de competir sistematicamente para os lugares do topo, as dificuldades vão aumentando.
Se foi difícil a primeira vitória, pelas razões acima descritas, mais difícil é repeti-la, porque na falta da tradição que disse, não é fácil, dados os grandes sacrifícios exigidos aos atletas, como por exemplo, treinos a acabar cerca das 11.00 horas da noite, repetir com os mesmos atletas, o mesmo desafio. Porque um atleta é um caso, alguns não estão disponíveis para novos e renovados sacrifícios. Ficam alguns, mas só alguns não chegam, porque também a base de recrutamento não é assim tão vasta, em linha com as necessidades. Estamos, apesar de tudo, a falar, mesmo em termos de remo nacional, de atletas acima do 1.85 metros e dos 85 kg. Não é fácil. Alterando-se as condições, volta tudo ao ponto de partida. Será preciso, procurar de novo a conjunção dos factores em referência e estar atento ao momento ideal, que poderá ter de esperar anos.
Já que falaste no recrutamento, achas que o futebol e o basquetebol têm um efeito eucalipto, aqui na Figueira? Quer dizer, ao encaminharem muitos jovens para lá sem terem a mínima queda para a coisa…
Não creio que a questão central seja essa. Por razões várias, como disse, o remo passou trinta anos em profundo coma e isso necessariamente deixou marcas. A tradição da modalidade fugiu durante esses trinta anos e não existia como oferta simplesmente lúdica ou de modo competitivo. Naturalmente, o futebol e o basquete, este com um período muito pujante, nesse entretanto, implantados, recolheram as preferências e mantêm até hoje a sua cultura e poder de atracção. É um direito que lhes é próprio, que somado a algum mediatismo local, regional e nacional, tem esse efeito de maior recrutamento. Contudo, já no período de nova estabilidade do remo, a modalidade tem tido, à custa de uma boa e suada politica de recrutamento no âmbito dos dois clubes da cidade, uma boa relação com a juventude, e agora, creio que de modo muito curioso, com atletas mais velhos, veteranos. Alguns que regressaram de novo aos barcos, outros ainda, e isso é muito significativo, fizeram da experiência na modalidade, uma nova oportunidade.
A questão não é pois a do recrutamento, que como digo, anualmente é muito bem feita, são outro tipo de questões, muitas e complexas, que por isso não cabem nesta resposta, até porque, se se fizer o balanço dos últimos trinta anos do remo na Figueira, se verá como a modalidade envolveu muita gente e ainda envolve e os resultados foram muito significativos, tanto do ponto de vista da competição nacional, como das varias experiências internacionais.
Em termos absolutos, eu direi que a modalidade tem de ser mais do que a modalidade que na área das escolas e da formação, está muito bem, mas que tem de ser consistentemente adulta. Isso implica ter coragem para tomar de modo regular, as boas decisões. E às vezes não é fácil.
Será preciso esclarecer ainda, que 4 dos 8 atletas constituintes da
equipa campeã nacional, na época anterior não tinham relação com o clube, o Ginásio Clube Figueirense. Ou seja, 3 deles são oriundos de Coimbra e o outro com origem em Viana do Castelo, embora vivendo à data em Coimbra. Foi possível reunir vontades, razões antropométricas, que no ano seguinte já não foi possível reunir, ainda que o clube tenha estado presente na final nacional que decidiu as medalhas.