Augusto Alberto
Há um tempo atrás, ainda estou para saber para quê, tirei um pouco do meu sossego e resolvi escrever a Bin Laden. Eu sempre soube por onde andou. Passou ao pé de nós, emboscado, numa toca, na encosta atlântica da Serra da Boa Viagem. A Toca da Moura, mais bela do que as de Tora Bora. E o que lhe pedi? Que me desse a sua bênção e fosse meu guia emocional. Para quê, perguntou-me? Para que afinal queria eu um islâmico inquieto para guia e confidente, se desde que ganhei tino me tornei ateu? Com toda a razão. Reflecti e conclui que ser ateu é ser previdente. Evita-nos canseiras. Como aquelas de não faltar aos actos litúrgicos, de pé, de joelhos ou de cócoras e de percorrer quilómetros a fio suportados por um cajado, onde vão presas figuras esculpidas em mármore, madeira ou película fotográfica, que olhamos com ar perturbado, como aqueles romeiros de Maio, cerca de 30, que há uns dias almoçaram comigo, mesa com mesa, e ainda evita de volta e meia, as loucuras fundamentalistas de negar evidências materiais e sociais, que de quando em vez, acabam em sangue.
Mas vamos em frente, porque a História é feita de factos que às vezes não batem certo. E o facto é que aquele, que junto a nós se emboscou, foi quem gizou um golpe certeiro nos arranha – céus da cidade. Um acto de puro banditismo, que deixou gente em choro e comoção. É certo que logo alguns americanos, disseram: - uma coisa como esta estava escrita, porque há por ai muita gente que não gosta de nós. Será bom lembrar que no dia 11 de Setembro de 1973 muitas centenas morreram em Santiago do Chile, por nossa arte e culpa, ou meditemos no modo patético como se construiu as razões que levaram por diante a guerra no Vietname, que devastou famílias e terras.
Alguma lógica, mas as coisas não podem ser dente por dente. Mas também a História não deverá ser desconstruída, ao gosto do momento ou dos vencedores. E porquê? Porque antes de Bin Laden ter gizado o ataque às torres gémeas, já fardado, armado e preparado pelos americanos, liquidou muitos soviéticos no Afeganistão. Soviéticos sim senhores, mas não só, também muitos afegãos. Ou seja, exactamente o mesmo homem que invadiu os escritórios da ONU em Cabul, de onde retirou o ex-Presidente Najibulah, a quem mandou enforcar e pendurar num poste de electricidade, porque teve a ousadia de enviar os meninos e sobretudo, no mais doce ultraje, as meninas que, por ali e por vontade talibã, são uma espécie de coisa para cobrir e dar leite, para escolas públicas e laicas, para fugirem ao destino das madrassas, que só recebe meninos, e cria gente nervosa, que depois se põem no mais desenfreado tumulto e algazarra. Como sabe sempre bem limitar a história e reduzir, sobretudo os que choram, como se só houvesse gente boa de um lado, neste mundo desavindo, onde habitam também americanos a quem os bancos, depois de uma vida de amealho e trabalho, esbulharam as suas casas e hoje vivem em tendas montadas em parques e jardins.
Aliás, imagens muito poucos vistas. Ou seja, como combina esta gente este apagão no sonho americano de uma vida venturosa, com este momento de júbilo e frenético golpe publicitário e eleitoral? Ainda é cedo para o sabermos. De qualquer modo, o mundo não vai mudar um bocadinho com a morte daquele que um dia passou, ligeiro, pela Toca da Moura, com o Atlântico em frente do olho que levou o tiro certeiro, e acabou, por fim, atirado ao mar Arábico.
Como morreu longe o homem mau que esteve aqui tão perto?
E a quem serviu a demora?