segunda-feira, 5 de março de 2012

A barraca rica

Augusto Alberto

Apanhe o comboio ou pegue no automóvel, cidadão, e abale. Vá ver a capital que desconhece. Não se engane. Comece pela “barraca rica”. Não o complexo de tendas e barracas que o povo designou como, “barraca rica”, no Alto da Ajuda, acima de Belém, para onde sua majestade e família fugiram, para evitar ser embaraçada por gente desprovida, após o terramoto e tsunami de 1755 que dizimou a baixa oitocentista de Lisboa. Mas a actual “barraca rica”, exactamente um ponto abaixo, em Belém, onde habita o topo da elite trambiqueira que dirige esta funesta República. E depois, continue. Pela madrugada, vá ver as novas paliçadas, ou cartonadas, que servem de abrigo aos puídos e ranhosos que se espojam pela Lisboa pombalina. Comece pelas arcadas do teatro Nacional D. Maria. Siga, após, até a estação de Santa Apolónia, e um pouco adiante, pare na pérola de Talavedra, a gare do Oriente. Confirme como nas antípodas da “barraca rica” de Belém há um Portugal imenso, a ser vergastado nas “barracas pobres”. Porque, aqui e agora, há portugueses com fome e, se estão vulneráveis e têm frio apanham a gripe, se não têm dinheiro para pagar as taxas moderadoras e os comprimidos e xaropes, até morrem sem assistência. Grande golpe. Se se morre mais cedo por não se ter acesso aos cuidados de saúde, baixam as despesas com os reformados e os velhos, o que acaba por ser uma benesse para a segurança social.
Antes do terramoto de 1755, a baixa de Lisboa estava carregada de frades da piça, marinheiros despedaçados, outra gente pustulenta e pestilenta, e de tabernas dos jogos de navalha, após disputa de uma rameira, onde provavelmente já arrimava o fado. Recuperada por decisão de Pombal e traçada por Manuel da Maia, vão mais de 250 anos e continua o rio que não pára. Por artifícios de gestão, está despovoada de gente organizada, mas contínua a ser o leito de acolhimento de novos pestilentos e pustelentos.
E na “barraca rica” de Belém continua um punhado de grandes bandidos, que tratam sobretudo de si, e de mansinho, da nossa sorte e morte.

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