Augusto Alberto
Tenho grande estima por um jovem, filho de um médico que passou quase a vida inteira na Índia Portuguesa, que guardou o superior desejo de um dia visitar as terras que o pai calcorreou. Com meios suficientes e apaixonado pela fotografia, abalou e fez-se à velha Índia, de mochila feita e máquina a tiracolo. Viajou e tudo fotografou. Comeu em tascas, calcorreou as ruas infectas de Bombaim e Calcutá, dormiu em carruagens e na volta, mostrou-me fotografias de grande beleza e notícia cívica.
Conversamos sobre a viagem e quase num lugar comum, disse-me que gostou muito do povo, e que o impressionou o facto da casta inferior, os “párias”, que tem como única tarefa a recolha diária da merda que os das castas superiores fazem, ser “gente” feliz. Santa ingenuidade, atirei: “em consciência achas que alguém pode ser feliz passando uma vida inteira a apanhar a merda que os outros fazem, mesmo na ignóbil Índia?” E rematei: “Só te falta dizer que na grande democracia indiana, para a democracia ser completa, os que apanham a merda votam com gosto nos que a fazem, para que nada mude”.
Parece que concluímos, mas não. Imaginemos que a central sindical indiana, não satisfeita, convoca uma greve, a que chama geral, e que no período de balanço o governo e a calhorda que faz a merda exultam e concluem que a greve não foi geral, foi um flop, porque os “párias” não fizeram greve e que por isso, tudo vai bem.
O mundo é global, dir-se-á. E se a vida também, pode então um cidadão já farto, dizer: “Não basta o Ganges andar carregado de merda, haver párias e outros tantos catarem a bucha nos bancos contra a fome, ainda há que aturar a merdosa das elites, mais os jornais e jornalistas carneiros, as traições do Proença, mais a igreja de Roma, que se acha no direito de indicar o partido em quem votar, tal como na Índia faz o hinduísmo".
Mas o que mais vai custando é ainda arranjar estaleca para aturar lorpas.
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