segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

Aviso à navegação

Alto aí!
Aviso à navegação!
eu não morri:
Estou aqui
na ilha sem nome,
sem latitude nem longitude,
perdida nos mapas,
perdida no mar Tenebroso!
Sim, eu,
o perigo para a navegação!
o dos saques e das abordagens,
o capitão da fragata
cem vezes torpedeada,
cem vezes afundada,
mas sempre ressuscitada!
Eu que aportei
com os porões inundados,
as torres desmoronadas,
os mastros e os lemes quebrados
- mas aportei!
e não espereis de mim a paz...
Aviso à navegação
Não espereis de mim a paz!
Que quanto mais me afundo
maior é a minha ânsia de salvar-me!
Que quanto mais um golpe me decepa
maior é a minha ânsia de luar!
Não espereis de mim a paz!
Que na guerra
só conheço dois destinos
ou vencer - ai dos vencidos!
ou morrer sob os escombros
da luta que alevantei!
- (foi jeito que me ficou,
não me sei desinteressar
do jogo que me jogar.)
Não espereis de mim a paz.
aviso á navegação!
Não espereis de mim a paz
que vos não sei perdoar!
Joaquim Namorado



Faz hoje 22 anos que um grande, enorme coração deixou de bater. Um coração feito de ternura, de solidariedade, de generosidade.
Grande figura da cultura portuguesa, combatente anti-fascista, intransigente quanto aos seus princípios. Perseguido pelo Estado Novo, tendo sido proíbido de leccionar na escolas públicas, viveu de explicações: "Fiquei em Coimbra a vender lições como quem vende tremoços", diria ele mais tarde. Perseguido também por um governo do PS que o afastou, de novo, do ensino.
A História não rezará daqueles que acabaram com o Prémio de Conto Joaquim Namorado, instituído pela CMFF, em 1983. Quanto a esse acto socorro-me de uma expressão do próprio autor de "Incomodidade" para sutentar a minha opinião: "Na vida temos de estar preparados para tudo, mesmo para comer merda em colheres de chá".
Se há homens que se vão da lei da morte libertando, Joaquim Namorado é um deles.

4 comentários:

dona tela disse...

Até me arrepiei a ler esta poesia.

Boas entradas para si.

Fernando Samuel disse...

GRANDE JOAQUIM NAMORADO.

Abraço.

samuel disse...

Bela lembrança.

Anónimo disse...

Sem querer pôr em causa a valia intelectual e cultural do Dr. Namorado, é preciso não branquear que era uma personagem de feitio intratável, rude mesmo, incapaz de aceitar a diferença de opinião e por vezes até inconveniente. Quem passou pelo Instituto de Coimbra sabe do que falo!