sábado, 3 de janeiro de 2009

Crónicas em desalinho (IX)

Memorias do tempo da guerra e agora da paz
Augusto Alberto


Em 1971, depois de libertado da prisão militar da Trafaria, porquê? Porque dei milho aos pombos do jardim da minha terra e isso era proibido, tão simples, eh.eh, eh, fui colocado em engenharia no perímetro militar de Santa Margarida em trânsito para África. Fiz bastas mudanças de comboio na estação do Entroncamento. Não sei como, aparecia por lá com muita regularidade um alfarrabista. Simples vendedor de livros usados? Nunca o saberei. Mas a questão é que por ali comecei a enriquecer uma biblioteca que já tomou corpo e sobretudo a possibilidade de possuir livros, alguns difíceis para a época. Lembro-me de uma edição Brasileira, do A.B.C. de Castro Alves de Jorge Amado, raro, e para o caso desta escrita, uma colecção apelativa, das edições D. Quixote. Precisamente com essa colecção dei de caras pela primeira vez com a abordagem teórica e histórica da luta palestiniana. Já lá vão 38 anos e as mortes e destruição continuam. É já muito tempo.
Há três anos, num dos meus Campeonatos do Mundo, um jovem alto e espadaúdo, como convêm a um remador de nível, resolveu cumprimentar-me diariamente. Naturalmente não estava a perceber, logo a mim, com tamanho e belo sorriso, porquê? Haveria do ponto de vista do jovem razões, perguntei-me. Até que acabei por perceber. Estava grato aos muitos que nesta pátria sentem simpatia pela Palestina e não quis deixar de o registar. Por mim não se enganou. O jovem estava ali em representação da sua pátria, a Palestina, mas do ponto de vista desportivo, fiquei de boca aberta. Simplesmente não supunha a Palestina com um atleta num Campeonato do Mundo de uma modalidade como esta, que requer meios estruturais e naturais impossíveis de recriar em qualquer lugar, porque é preciso água, muita água, capaz de possibilitar um remo de 20/30 km numa tarde ou manhã, sem o mínimo de dificuldades e muita paz. Quis saber como. Disse-me que estudava em França para voltar mais tarde à sua Palestina e naquele momento, e muito bem, trazia a bandeira da sua pátria. Isto foi há três anos e de lá para cá, as mortes e destruição continuam a ser conta corrente.
Os países ocidentais nos escombros da segunda guerra mundial quiseram resolver um problema, disseram, mas como quase sempre, acabaram a criar mais problemas e monstruosidades. A Palestina é hoje uma chaga séria e aparentemente sem solução. Uma Pátria separada em dois, por um espaço ocupado por estranhos que lhes surripiaram os melhores terrenos. Murada, com betão bem levantado e cercado por valas bem largas. Sufocada, prisioneira em regime aberto. Miserável e aparentemente sem ver o futuro. Uma chaga! Aquilo não é um equívoco, é um momento histórico bem assumido por quem pode colocar a razão em seu lugar. Mas assim está bem, porque convêm.


Hoje, 2 de Janeiro 2009, vejo uma fotografia notável na imprensa. Um apartamento de habitação sem parede fronteira. Um horror e eu interrogo-me, como ficaria eu se a parede da minha casa desaparecesse e ficasse a ver sem barreiras o meu quintal e a cerca das galinhas? Provavelmente, apesar de tudo lá estar em seu sítio, não veria nada. E vocês?
Entretanto muita gente espera que o fantástico Barak Obama diga alguma coisa sobre a matéria. Até agora só silencio. De momento está em trasfega de meios, ao que diz a imprensa. Está a mudar-se para um hotel de onde verá deliciado e confortável, a queda da branca neve, se for caso disso, mas sobretudo, as luzes suaves e imperiais da casa branca e dará inicio então a um caso de amor.
Na Palestina, famílias em casas esventradas, apesar de ouvidos e olhos abertos, já nem os destroços vêem. Vêem isso sim, de momento, o nada. Mas isto vai ter um fim. Só poderá, quando os países ricos se libertarem em definitivo, ou quase, do maldito petróleo. Então estas monarquias árabes, corruptas, imorais e incapazes de respostas certas e a horas, ruirão como castelos feitos de areia molhada da praia e o grande porta-aviões montado na Palestina, para açoitar, deixará então de deixar de ter a importância de hoje. Tudo mudará por fim, com certeza. Haverá solução, mas vai durar muito. Quantas mais mortes?
Mas de momento, o silêncio do grande Obama não é bom prenúncio. Ai isso não. Preparemo-nos porque o amanhã será mais do mesmo, até um dia.

1 comentário:

Fernando Samuel disse...

O silêncio de Obama é um silêncio fúnebre...


Um abraço.