terça-feira, 6 de abril de 2010

As putas

Augusto Alberto (texto e foto)
Fiz o meu curso de serralheiro mecânico na velha Escola Industrial Marquês de Pombal, construída nos terrenos do antigo e saudoso estádio das Salésias, mítico local do Clube de Futebol “os Belenenses”. Aí conquistou o seu único título nacional de futebol. Filho do povo, foi a escola industrial que me recebeu. Os meninos do regime, aprendiam no classista liceu. Nas escolas industriais passávamos horas em aulas de desenho e em trabalhos oficinais, às voltas com as fresadoras, tornos, limadores, etc. Os filhos classistas, entretanto, empinavam a lírica de Camões e as orações do poema pátrio, os Lusíadas. Muitos, apesar das melhores intenções morais, não deixaram de ser os nossos párias e muitos deles, os responsáveis pelo actual estado da pátria. Lembro-me que por esses anos, girávamos pela Rocha de Conde de Óbidos, apanhados pelos barcos, sobretudo, quando sabíamos que chegavam barcos da Nato, em descanso e reabastecimento. Os barcos americanos, dizíamos. Houve um, em especial, que recordo. O State of Maine, um navio de reabastecimento. Quando em grupos de três ou quatro nos aproximávamos da escotilha que julgávamos ser a da cozinha, levávamos a mão à boca e fazíamos o sinal de comida. Em regra, o marinheiro era amigo. Um dia, recebemos, inteiro, um bolo coberto de chocolate. A festa foi grande, como é bom de ver, porque para os filhos do povo, um bolo assim, era uma festança.
Mais tarde, muito mais tarde, dei-me de novo com outro vaso de guerra, com nome Maine. O contratorpedeiro Maine. Não o barco, porque há muito, em 1898, que foi deitado ao fundo, mas o obelisco que lembra e presta homenagem aos marinheiros desse Maine, que os próprios americanos torpedearam, para a partir dai entrarem em conflito com Espanha, à data os administradores da Ilha de Cuba, na que ficou conhecida como a guerra hispano-americana, que se resolveu num ápice, evidentemente, e deu lugar à administração de Cuba pelo amigo americano. Esse foi o início da popular política da canhoneira, e este acto, mais do que um facto, um verdadeiro escarro, ou o exemplo de como para o império, tudo vale e as razões éticas são cantigas.
Esse período de absoluta propriedade americana tem algumas especiais singularidades. Cuba passou à condição de prostíbulo. Refinados banqueiros, gangsters e outros magnatas, passaram longos períodos agarrados à roleta, ao mojitos, ao champanhe e às putas. Era a luxúria. Evidente que na passagem pela ilha, o império deixou uma arquitectura sublime e moderna. O Hotel Nacional, é um requinte. Mas isso foi em Havana, porque no resto da Ilha, o latifúndio e a praça da jorna, eram regra.
Em 1959, a coisa acabou, espera-se que em definitivo. Os barbudos chegaram e claro está, o Império ainda não conseguiu mastigar o facto de ser corrido e apesar de múltiplas tentativas, ainda não ter conseguido voltar. É evidente que nunca é tarde.
Estes Maine (s), são minhas memórias e ambas me lembram uma certa pobreza. O marinheiro que nos deu o bolo, lá deverá ter dito: - aqui estão meninos esfomeados. Não era bem assim, mas lá que os filhos do povo eram carentes de um doce, que não restem dúvidas. E Cuba, daquele outro Maine, que obrigou aos mojitos, a roleta e as putas, é só uma espinha que pica na garganta gorda, de gente bem ataviada.

1 comentário:

Ana Tapadas disse...

Tinha saudades de uma crónica tua!
Esta está uma maravilha.
bj