Augusto Alberto
Li e ouvi, que portugueses, ontem, limpinhos e asseados, da
sossegadíssima e fidelíssima classe média, agora na miséria, alimenta-se de
comida previamente confeccionada e enlatados, para não terem que gastar nenhum
tipo de energia. E ainda, que utilizam bombas de gasolina, para se abastecerem
de água potável.
Aqui chegados, temos que dizer que, em bom rigor, surripiar
água, em apreciável volume, de um posto gasolineiro, pode ser um roubo e
configurar um crime. A este propósito, dou a conhecer o que disse e diz, o Príncipe da palavra e
consciência cívica, Padre António Vieira, no seu fabuloso “sermão do bom ladrão”,
lido na Igreja da Misericórdia de Lisboa, no muito longínquo ano de 1655.
“…Suponho
finalmente, que os ladrões, de que falo, não são aqueles miseráveis, a quem a
pobreza e vileza de sua fortuna condenou a este género de vida…O ladrão que
furta para comer, não vai, nem leva ao inferno…de que eu trato, são outros
ladrões de maior calibre, e de mais alta esfera, os quais do mesmo nome, e do
mesmo predicado distingue muito bem S. Basílio Magno…Não são ladrões, diz o
Santo, os que cortam bolsas, ou espreitam os que se vão banhar, para lhes
colher a roupa: os ladrões, que mais própria, e dignamente merecem este titulo,
são aqueles a quem os Reis encomendam os exércitos, e legiões, ou o governo das
Províncias, ou administração das Cidades, os quais já com manha, já com força
roubam, e despojam os povos. Os outros ladrões roubam um homem, estes roubem
Cidades, e Reinos. Os outros furtam debaixo do seu risco, estes sem temor, nem
perigo: os outros, se furtam, são enforcados; estes furtam, e enforcam.
Diógenes, que tudo via com mais aguda vista que os outros homens, viu que
grande tropa de varas, e Ministros de justiça levavam a enforcar uns ladrões, e
começou bradar: Lá vão os ladrões
grandes enforcar os piquenos.”
Como concluir? Que tudo é tão igual ou tão pouco mudou. Que
a elite de ontem é a de hoje. A mesma que quase levou o Padre António Vieira,
apesar de Padre, até à fogueira, porque lhes pareceu que tamanha lucidez e
consciência cívica deveria acabar no apologético lume do Santo Ofício.
E o Povo? O Povo, na vulgata de um provérbio, que diz “quando
a cabeça não tem juízo o corpo é que paga”, ainda não deu pela sua desgraça,
porque ao cabo de centenas de anos, pouco uso lhe tem dado.
desenho de F. Campos
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