terça-feira, 5 de agosto de 2008

Memória olímpica (III)

Carlos Lopes (Atletismo – Portugal)


" Indiferente, soberbo, atleta de busto ligeiro e pernas de puro-sangue, Carlos Lopes parecia um cavaleiro solitário, tendo inscrito na fronte a certeza da sua superioridade."
Jornal L’Equipe, Mundial de Corta-Mato, 1976



Los Angeles. Olimpíadas de 1984. São quatro da madrugada de 12 de Agosto em Portugal e um pequeno e franzino beirão é o responsável por todo o país estar acordado. Prepara-se para correr 42 quilómetros e alguns metros. É falsa a fragilidade que o seu corpo denuncia: ele carrega nos ombros a esperança e a remissão das frustrações de todo um povo.
Carlos Lopes conseguiria, pela primeira vez, que a “Portuguesa” fosse ouvida na cerimónia olímpica de entrega de medalhas.
Uma vitória que por razões bastante dúbias lhe tinha fugido 8 anos antes, em Montreal, nos 10.000 metros. Facto a que Lopes nunca se referiu. Possivelmente o único a nunca tecer considerações sobre. Ele é assim, a humildade em Lopes é mesmo feitio. Nunca tinha desculpas para as derrotas. Talvez porque nunca as há. Limitava-se a dizer ao mais incrédulo dos jornalistas, após uma derrota inesperada, que correu tudo bem, apenas os adversários foram melhores. Em Los Angeles não foram. Como quase sempre não foram. Ainda hoje, se passarem por ele e lhe perguntarem como é que perdeu o ouro em Montreal, ele dir-vos-à que simplesmente Viren foi melhor. Não sabemos se foi, não sabemos se Lopes foi derrotado por um atleta ou pela ciência. Uma dúvida que permanecerá.
O seu curriculum internacional, para além das medalhas olímpicas, é, utilizando o adjectivo do L'Equipe, soberbo. Tri-campeão mundial de Corta-Mato (1976, 84, 85), vice-campeão mundial de Corta-Mato (1977, 83), o primeiro homem a fazer menos de 02H08m na Maratona (Roterdão-85), recordista europeu dos 10.000 metros.
Em 1984 foi considerado pelos jornalistas de Espanha o melhor desportista do ano, prémio que recebeu das mãos do rei Juan Carlos.
Lopes corria com inteligência e classe. As mesmas qualidades que o impediam de responder obviamente a perguntas óbvias. Perguntaram-lhe se foi dura a prova, como se correr 42 quilómetros e picos fosse coisa de somenos. Ouçam a reposta: “Se foi dura a Maratona? Não, foram os 42 kms. do costume…”.

2 comentários:

Capitão Merda disse...

O grande Lopes!
Junto-me a si nesta homenagem, Alex.

alex campos disse...

Capitão,gosto de atribuir a esta vitória de Lopes, à qual assisti ao vivo via televisão, um outro significado: o resgate da tragédia de 1912, também na Maratona.