Augusto Alberto
Estava uma manhã de chuva, mas como não desisto de uma corrida ou marcha, enfiei o impermeável, que me cobre até às canelas e que sobrou da China, e pus-me a andar pela avenida até ao charco dos patos, esse local de culto. Estava o local completamente encharcado, porque a vala que escoa a água, na embocadura com o mar, por força da maré, estava carregada de areia e impedia o seu escoamento. A intempérie estava rija e dos patos, nem penas. As máquinas que fazem o prolongamento do molhe norte, que vai longo, estavam paradas porque a vaga carregava violentamente na pedra. Pescadores à linha na praia, também nem um. Surfistas, também não se viam, porque as vagas estavam acima dos 5 metros, e longe de terra começavam a desfazer-se em espuma. Voltei pela praia, com os sapatos a enterrarem-se na areia molhada e a ficarem encharcados. A cara dura e fria, porque a água empurrada pelo vento noroeste, tocava impiedosamente. Mas eu, resoluto, sempre a caminhar para o norte.
Parei no porta-aviões, um maciço de pedra, em frente ao farol do Cabo Mondego, que na sua parte interior, faz uma autêntica piscina, lugar de perdição de pescadores, e no Verão da juventude do meu lugar. Regressei contente ao fim de quase três horas de marcha dura, e o corpo quente, apesar da chuva abundante.
foto: O que resta do m/v "Hera" , fotografado em 1996 por João VianaParei no porta-aviões, um maciço de pedra, em frente ao farol do Cabo Mondego, que na sua parte interior, faz uma autêntica piscina, lugar de perdição de pescadores, e no Verão da juventude do meu lugar. Regressei contente ao fim de quase três horas de marcha dura, e o corpo quente, apesar da chuva abundante.
No regresso pela praia, sempre com a água e vento pela proa, fui pensando no que se deveria fazer do “Hera”. Perguntarão, mas o que é o “Hera”? O “Hera” é um cargueiro, cujo cadáver repousa exactamente encostado ao molhe norte. Estava eu a entrar na adolescência, talvez, em 64/65 do século passado, numa noite de invernia e também de mar feio, o “Hera”, sem motores e leme, veio à garra, empurrado pela vaga, e lá ficou. Evidentemente que foi desmontado, com os meios da época, mas a carcaça, com o tempo, ficou enterrada na areia. Há uns anos atrás, o mar roubou muita praia e o cadáver ficou à mostra. Foi um gozo, porque ao povo o que é do povo. As crianças chapinhavam e nadavam nas pequenas piscinas interiores, que de vez em quando o mar fazia.
Ora cá está. E mais pergunto: Como se poderá aproveitar o cadáver? Numa terra em que os dois partidos do poder se guerreiam para mostrar aos figueirinhas as suas fantasias, que em regra não são para realizar. Lembro aqui a ponte pedonal para a outra margem, o túnel pedonal para a outra margem, o hotel de topo na Gala, ao lado do Hospital, a reconversão do doido do projecto hoteleiro do Vale do Leão, outra vez, em coisa fina, o palácio das convenções, na quinta da Borboleteira, e para acabar, o complexo desportivo, basicamente falhado. Aproveito, humilde cidadão, para deixar aqui, ao poder, ideia mais modesta. Porque não pensar em dar uso ao cadáver do “Hera”? Muito simples. Depois de trabalhos de remoção das areias, e sua consolidação, possibilitar que o cadáver fique como um ponto de arqueologia naval ou que se torne no Verão, na tal piscina oceânica, que os miúdos já adoraram. Achar-me-ão maluco. Seja. Mas eu acho que o cadáver do “Hera” deve ser dado ao povo. Porque ao povo, os cadáveres…
Perguntar-me-ão, porque não vendo eu esta terna ideia ao meu partido. Como é óbvio, uma ideia destas só poderá ser vendida a quem pode ser poder, para evitar que ela fique escrita numa folha, que com o tempo, amareleça debaixo de um vão de escada. Por isso, cá está o contributo deste figueirinhas, divertido, que se subscreve.
1 comentário:
Excelente crónica! É como se estivesse presente.
Beijo
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