sábado, 20 de novembro de 2010

A “Encrenca” e os encrencas

Augusto Alberto

A frota da sardinha na Figueira da Foz, que já foi grande, teve uma traineira chamada “Encrenca”. Tenho um familiar directo e muito próximo que nela trabalhou como motorista e, de volta e meia, contava-me que a “Encrenca”, muitas vezes em mar aberto, era uma verdadeira encrenca, de deixar os homens com os nervos em franja.
Lembro-me desta “Encrenca” a propósito do pedido feito por alguns deputados “socialistas” aos coitados dos banqueiros, para que se apiedem do governo socialista e lhes retribua os gestos bondosos, feitos por esses socialistas, para a salvação da banca, à custa do dinheiro público. No fundo, o que esses deputados socialistas querem é que os banqueiros ajudem o partido socialista a sair da “encrenca” em que nos meteram. É óbvio que isso será pedir demais a quem já provou que a pátria, é sempre pátria, desde que acrescida de mais 10% para juros.
Mas só uma pequena história não chega para classificar esta gente e então atrevo-me a contar outra pequena história.
Na terra onde fiz a minha meninice, que pela saudade me leva a quer sempre voltar, já vão mais de 50 anos, havia duas mercearias, frente a frente. Numa, era dono um sujeito, bem arrumadinho, dentro da ganga de delatores do regime fascista. Um crápula, mesmo à época, porque se fazia notar pelo modo untuoso como se apresentava, para mais fácil explorar a delação. Digo fascista, porque de quando em vez, aparecem por aí uns fabianos a quer dourar a pílula. As coisas foram o que foram e pronto.
Se a história da “Encrenca” pode povoar a memória de muitos Figueirenses e é o exemplo das encrencas em que o homem de volta e meia se mete, a história do bufo da PIDE, demonstra como o capitalismo se constrói. Nesse particular, raramente se engana. Tal como no fascismo, sobreviveu à custa de uma máquina, onde muita gente menor cabia, inebriados com o som das botas e a soldo de uns trocos e de uma dulcíssima ideia de poder. Hoje, o grande capital, dito democraticamente, de economia global, promove desta feita gente também pequena e com pele de rato, à condição de gente democraticamente importante, bem pagos e por isso nos antípodas do pelintra do bufo da PIDE, na exacta medida que com o seus poderes de decisão, decidem de um modo geral de acordo com a mão de quem lhe chega o prato. São os “mainatos” do grande capital e era o que faltava cuspir na mão que lhes chega a sopa. O mal é que esta gente mente, quando se afirma como defensora da social-democracia, do socialismo em liberdade ou de rosto humano, da terceira via, na defesa da guerra, urdida na mentira, em vez da paz. Por isso, será oportuno que os muitos milhares que por cá são enganados pelas maviosas vozes das sereias das liberdades, acabem com estas “encrencas”, no sentido da procura de novas políticas, porque não chega substituir, como escreveu Lampeduza, para que tudo fique na mesma. É preciso fazer como foi feito à “Encrenca”, o abate, antes que a “Encrenca”, em mar aberto fosse de tal modo uma encrenca, que depois já não houvesse remédio.

Nota: mainato - criado, servidor, em língua macua, etnia maioritária na província de Moçambique, com Capital em Nampula, com jeito para a arte em pau-preto ou pau-rosa, mas sem a classe dos Macondes, da Província de Cabo Delgado, mestres na estatuária sacra, também em pau-preto ou pau-rosa.

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