sábado, 1 de janeiro de 2011

Contar até dez

 Augusto Alberto (Texto e foto)
Li mais um, desta feita, eufórico editorial, num diário, sobre Cuba, como se no Caribe e América Latina, as dificuldades só estejam na ilha. Julga o editorialista estar perto o dia em que aquilo tudo cairá, na esperança de que no dia seguinte, a Filarmónica de Nova Iorque, venha a tocar, agora numa praia da Florida, como fez junto do muro de Berlim, a nona sinfonia de Beethoven. E a máfia de Miami e as de todo o mundo selecto, onde se incluem os membros do clube muito privado de Bilderberg, rejubilará e virá a conclave, em júbilo, mais uma vez, quem sabe, de novo a Sintra e então Balsemão, como da última vez, felicíssimo, mandará abrir o melhor e mais caro champanhe.

Quero aqui dizer, que admito, sem soluçar, que aquela experiência possa um dia, sucumbir. Não é fácil resistir tanto tempo, mas de qualquer modo, há uma variável bem objectiva, que o editorialista, na sua ânsia, não está a levar em conta. Isto é, se o povo cubano quiser e deixar. Quem sabe se não estarão bem avisados. Acredito que saibam que na ilha ao lado, no Haiti, já vai muito tempo após o terramoto, e da ajuda prometida, só 10% chegou. E também sabem, que a cólera ali chegou, trazida por militares da ONU e que está a devastar milhares de haitianos e que são os médicos cubanos, firmes, no meio da desgraça, que a combatem. E também julgo saber que sabem que a Guatemala está a ser acossada pelo clã mafioso mexicano, “los Zetas”, que ameaça atacar locais públicos se o estado Guatemalteco se opuser. E que outros clãs do narcotráfico dominam violentamente outras cidades e até estados, como no México, na Colômbia, no Brasil e por ai fora até aos Estados Unidos.
Aliás, nesta matéria, apetece-me deixar aqui uma pequena história.

A minha guia em Havana, uma mulher ainda jovem, à medida que fazia o seu trabalho, lá ia dando nota das suas dificuldades. Ouvi com muita atenção os lamentos e, já em momento de despedida, acabei por lhe dizer mais ou menos o seguinte: “cuidado minha senhora, com as mudanças. Saberá a senhora quanto vai perder? E quanto virá a ganhar? O melhor é fazer bem as contas, porque depois, voltar atrás é difícil. Pela minha terra anda gente que quis mudar e agora se arrasta pela amargura”. A senhora olhou-me fixa e eu, sem hesitar, levei a reacção até ao fim. Fui o único que não lhe dei gorjeta. Ficou a saber que há uns tipos vindos do capitalismo, que não são de cedências.

E se um dia lá voltar, levarei na bagagem um filme que gravei da SIC, que nos falou de gente búlgara e romena, a quem um dia disseram que (há um mundo onde cantarão novos amanhãs), cheiinhos de Ferrari´s, electrodomésticos e vidas em paraísos que só visto. E onde fica um desses paraísos, segundo a SIC? Na Cova da Piedade, no local onde houve uma fábrica, no meio da mais abjecta e imunda porcaria, onde vagueiam famílias inteiras, já sem a mínima esperança. Somadas estas miseráveis imagens, às da desgraça do Haiti, às de cidades carcomidas pelo narcotráfico, violência e pobreza, bem fazem os cubanos, antes de darem qualquer passo, contar até dez.

2 comentários:

Ana Tapadas disse...

Muito boa a crónica!
Saúde!
BJ

Fernando Samuel disse...

Muito bem!

Um abraço.