sexta-feira, 3 de junho de 2011

Da vergonha e do espanto

Augusto Alberto

Um povo assombrado prepara-se, a fazer fé nos acontecimentos, para dar um enorme balão de esperança e vida ao mais miserável capitalismo. Quer em modo de socialismo em liberdade ou de rosto humano, mais suave e embrulhado nas rábulas requentadas do estado social, ou em modo de social-democracia, do PPD/PSD, de maneira mais rápida e abrutalhada.
Há povos assim. Com uma penosa relação de séculos com a traição, os traidores, o sofrimento e a miséria. Que se há-de fazer?
A este propósito, ainda me parece mentira, no último dia de Maio deste ano da nossa desgraça, pelas 8 horas de uma manhã fria de primavera, e após uma noite pouco dormida, vou tomar, como é minha rotina, o meu único café e passar os olhos pelo trambiqueiro jornal dos cafés. E de chofre, uma mulher, na meia idade, que preserva beleza e asseio, mas completamente assustada, passa junto a mim e pede-me pão. Apanhado pela surpresa, fiquei atordoado, porque nunca pensei que a mulher que passava e levava auto-estima, me viesse logo ali, no caminho, pedir pão. Um passo dado, parei e voltei-me. Para meu espanto a mulher foi caminhando ladeira abaixo, assustada e envergonhada, sem me dar tempo para perceber de onde vinha e como tinha chegado a este pedaço de terra, que nunca lhe tinha posto os olhos. Fez-se-me uma manhã desgraçada.
Carregou-me a memória e dou-me como é óbvio, a perguntar, se foi para isto que muitos de nós sofreram as agruras do fascismo e ainda por cima, porque me pediu pão esta mulher, logo a mim, no dia exacto em que fazia 40 anos que me deixaram sair da prisão fascista? Com todo o propósito, tenho o direito a perguntar: Afinal, para que foi que se fez a revolução e como foi possível chegar aqui?
Vai o povo, que vive da caridade, desavergonhadamente anunciada e institucionalizada, da vergonha e do espanto, mais uma vez dar o sopro ao partido do senhor padre, e aos que o vão continuar a roubar. E a seguir, depois de provar do fel, vai amaldiçoar as coisas, rabujar um pouco, anunciar que são todos iguais, sem perceber que afinal é o grande culpado.
Mas deixa que te diga, cá estaremos de modo paciente, para te ouvir, marchar sem cessar sobre a cidade que tantas vezes já nos viu e ouviu, na esperança de que um dia te juntes, para dizeres que para além de deveres, também tens direitos. Para que percebas que há uns que nunca se cansam de descer as avenidas em teu favor e uns tantos, autorizados por ti, que te roubam e desgraçam. Há alguma coisa, deste lado, de masoquismo, bem sei, mas a tua sorte é que ainda há gente assim.

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