quinta-feira, 27 de outubro de 2011

A arca de Noé

Augusto Alberto


Na babel do Teatro dos Sonhos, o Manchester United recuou na história porque levou 6 do rival City. Uma folia como há muitos anos não se via. O Sheik Mansur, um árabe endinheirado, ficou muito feliz porque viu justificado o seu investimento na sua babel. Domingos Paciência rejubilou porque um holandês, um chileno, um peruano, um português… comemoraram efusivamente um soberbo golo. Ou como um golo pode ser uma babel de emoções. E Cristiano Ronaldo teve a oferta, aliás como toda a babel do Real Madrid, de um carro de alta cilindrada. Ao Real e a Ronaldo tudo se paga e tudo se dá.
 Estava eu a matutar que enquanto a uns tudo se dá, a outros, antes pelo contrário. Neste momento de grande aperto financeiro para todas as modalidades que estão para cá do futebol, estou-me a lembrar que eu, pobre aposentado da função pública, é quem vai ajudando a suportar as despesas de preparação da atleta com quem trabalho há quase 4 anos. Bem sei que um dia as contas serão ajustadas, mas não deixa de ser irónico que são os que menos têm, os únicos, quem carrega a pátria nos ombros.
Cristiano Ronaldo faz parte de uma lista de atletas de onde sairá o atleta do ano e eu, de uma lista de onde sairá o treinador do ano. Aparentemente, aqui chegados, parece que todos somos iguais, e todos temos os meios necessários, mas a verdade não é assim. Ao Ronaldo tudo se dá, tudo se paga, tudo se faculta e eu, pobre amante das coisas da actividade física e do desporto de rendimento, ando sempre à procura de ser estóico e inventivo. A estoicidade, assim, é uma puta.

Ronaldo parte em clamorosa vantagem e assim o meu desconforto é enorme. É por isso que estou farto da rábula da arca de Noé, onde aparentemente todos os bichos cabem. Mas a vida mostra que há uns bichos mais bichos do que outros e, por isso, uns caiem para foram e outros tombam para dentro. Bem sei que acima das minhas mágoas estão os interesses da modalidade e da sua federação e é por isso que por vezes tenho de viver com a boca e a garganta secas. Também por aqui se vê que a luta de classes é longa e tortuosa. Este é um combate muito difícil, que no actual quadro, é um combate perdido, reconheço.
De todo o modo, chegará o dia em que à arca de Noé não chegarão só as estórias cor-de-rosa.

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