terça-feira, 6 de novembro de 2012

O jovem independente era fascista


Augusto Alberto
    

Estava na guerra. Em Nampula. Tive um amigo que deixei de ver, com pena minha, já lá vão 38 anos. Ambos fomos sócios do cine-clube local, instituição onde se reuniam os que tinham na acção, nas colónias, o anticolonialismo e o antifascismo.
Para espanto comum, em 1972, demo-nos a assistir a um ciclo colossal do cinema soviético. De Sergei Einstein a “Linha Geral” e o “Couraçado Potemkine”,  “A mãe”, sobre o romance homónimo de Gorki, de Vsevolod Pudovkin. E ainda um magistral ciclo do cinema francês. Não mais esqueci, de Julius Dassin, “Rififi”, obra-prima do cinema noir. Ou ainda, o ciclo de cinema sueco, os “Morangos silvestres” de Ingmar Bergman. Uma lança, em pleno coração colonial.

Eu recebia a “Seara Nova” e ele o “Comércio do Funchal”. Único, porque o papel era meio alaranjado e com escrita meio tola, (andava por ali gente esquerdóide), que muito nos divertia. Entretanto, trocávamos. Pela via da leitura, descobrimos as reflexões de Amílcar Cabral e ficamos, como é natural, muito surpreendidos. Respigo dessas reflexões, o que diz assim: “A Guiné Portuguesa é uma “comarca”, sub-distrito judiciário integrada no distrito judiciário de Lisboa”. E ainda as suas reflexões sobre o imposto de “palhota”, que era recolhido contra a vontade dos nativos, pelo régulo, nem que fosse com porrada. Isto é colonialismo!
Do mesmo modo é colonialismo o que cai sobre a pátria onde nascemos e vivemos, porque são os “técnicos” do banco europeu, e do FMI, quem vai decidir de como vai ser o nosso “estado social”. Somos, em termos absolutos, também uma sub-comarca, da comarca mãe com sede em Bruxelas ou em Bona. Merkel pode ser a “patroa” colonial a quem devemos vassalagem e pagamos juros agiotas, que são uma espécie do nosso “imposto de palhota” e tipos como Passos Coelho, Portas ou António Seguro, (que porra de brinca na areia), são os régulos da funesta história.
Em Nampula, eu e o furriel Diamantino, muito jovens, reflectíamos muito sobre as coisas. Pela nossa borda, caminhava um jovem, que não lembro o nome, evidentemente, que costumava comentar as nossas conversas, com um “não me meto nessas coisas”. “Estou aqui para fazer a minha comissão de 24 meses e depois regressar. Independente, nem sequer tomo partido”. Muito bem!
Até que um dia, o jovem identificou-se e a coisa descambou. Nesse dia, o jovem já não disse “nem sequer tomo partido”. Disse: “quando acabar a minha comissão e regressar a Lisboa, vou alistar-me como agente da PIDE”. Foda-se! Acabou-se a companhia. O jovem, independente, era fascista.
Esta história é verdadeira e acerca dela podereis dizer que está levada ao exagero. De qualquer maneira, é certo dizer que já há 40 anos os independentes eram muito previsíveis.
Moral da história: os independentes acabam sempre por tomar partido. Com a particularidade de que, nas boas horas, alguns gostam de fabular. 

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