sábado, 13 de novembro de 2010

Uma mulher quebrada ao meio

por Augusto Alberto


Uma mulher quebrada ao meio consegue, aos 35 anos de idade, o supremo prazer de subir ao pódio após a conquista da medalha de bronze, no campeonato do mundo da sua modalidade, umas das modalidades chaves do Jogos Olímpicos, e hoje modalidade paraolímpica. Foi assim com Filomena Franco, uma mulher partida ao meio, em resultado de um estúpido acidente, aos 18 anos, que lhe provocou uma lesão completa e bem alta, da vértebra e da medula, tornando-a paraplégica e colocando-a numa cadeira de rodas. Hoje, e após dois anos e meio de dedicação quase completa ao remo, consegue o sorriso de quem descobriu no barco o modo de lhe colocar a vida a um nível superior.
Mulheres todas elas marcadas em virtude de um estúpido acidente. Como por exemplo, também, o daquela bonita menina brasileira, medalha de prata na mesma competição, a quem um automóvel tresloucado, apanhou em plena via publica e lhe ceifou parte da bacia, a perna direita e o acetábulo e a obriga a usar uma canadiana para a sua locomoção. Tal como a Filomena, a nossa medalha de bronze, descobriu no remo o meio de sedução que lhe enriquece a vida. Só pode ser um gozo. E ouvir os sons das trombetas que chamam ao lugar mais alto os melhores de uma final de um campeonato do mundo…

Ao pódio foram as três primeiras, como é certo e normal nestas coisas, mas às outras jovens, lambidas um dia pelo infortúnio e que fizeram a festa da competição, cada uma no seu barco e apesar de ficarem afastadas do pódio, não lhes diminui a graça, antes pelo contrário. Deram um claro sinal de que um cidadão, mesmo diminuído, pode viver de um modo superior e ser feliz.
Filomena Franco que há dois anos e meio descobriu o remo adaptado para colocar a sua vida num patamar acima, está de parabéns pelo seu resultado e pode muito sinceramente começar a pensar em estar presente nos próximos Jogos Paraolimpicos a disputar em Londres/2012. Não errarei se disser que em Londres, estaremos todos os que estivemos neste Campeonato do Mundo disputado na Nova Zelândia, e isso só nos poderá deixar muito satisfeitos.
Mas neste Campeonato do Mundo Portugal também esteve presente com outra equipa, o double-skull masculino peso-ligeiro, com Pedro Fraga e Nuno Mendes, que poucas semanas antes, em Montemor-o-Velho, se sagraram vice-campeões da Europa e que desta feita, se classificaram em 6º lugar na final-A, pela primeira vez num barco olímpico, que é sempre coisa de grande competitividade. Poderá este barco, já confirmado como exemplo da excelência no contexto do desporto Português, aspirar à final-A, nos próximos Jogos Olímpicos de Londres em 2012? Esperemos que sim!
E eu, que escrevo esta singela noticia e que com a Filomena trabalho há dois anos e meio, só me posso dar também por satisfeito e tudo farei para levar a Filomena a Londres e conseguir um lugar o mais acima possível, mas partindo sempre do princípio, que para uma mulher quebrada ao meio, conseguir locomover o seu barco somente com os braços e estar presente nestes momentos de festa, é já motivo de grande satisfação. Mas se o lugar for sempre mais acima, então, acrescenta-se outra graça.

2 comentários:

Ana Tapadas disse...

Extraordinária crónica e exemplo de coragem!
Beijo

Guimaraes disse...

Parabéns!
Fica mais uma vez demonstrado que não há deficientes. Há, isso sim, pessoas que, não podendo exercer uma determinada actividade, podem brilhar em muitas outras. Grande lição! Obrigado!