domingo, 11 de janeiro de 2009

Histórias de mineiros (X)

Santa Bárbara – Padroeira dos mineiros
Augusto Alberto



Pingos grossos, varridos pelo vento agreste do mar, batiam no chão com vigor, constituindo um autêntico mar de água. Na falésia baixa, ali junto à boca da mina, o mar agitado e impelido pelo vento atirava-se contra a rocha com força, trazendo um som enorme que parecia que iria engolir a terra, ou simplesmente fendê-la, mostrando-lhe o ventre.
Tocado pelo vento, encolhido, com um samarrão coçado por cima da cabeça e dos ombros, um homem com as calças deixando ver as magras canelas, já que os pés grossos e fendidos vinham desguarnecidos e chapinhavam a água, em corrida ziguezagueante, apontava à mina.
Ofegante, parou por um tempo ligeiro na boca da mina para tomar ar, esperguir a água da chuva e enrolar o samarrão no braço. Abrigado do temporal e agora mais calmo, dirigiu-se ao nicho cavado na parede onde repousava a Santa Padroeira dos mineiros. Olhou um momento para a imagem, com a mão persignou-se e murmurou por entre os lábios uma oração. Pedia à santa sua Padroeira que a sorte o acompanhasse até ao fundo da mina, que corria por baixo do mar agora tão revoltado.
Esperou com os outros companheiros a descida.
Santa Bárbara, Padroeira dos mineiros desde tempos longínquos, repousava já dentro da mina em imagem pequena e de cândida beleza. Os mineiros devotavam-lhe uma fé e um enorme respeito. Essa fé acompanhava-os para os poços.
Uma imagem maior repousava na igreja de Buarcos, à falta de uma igreja próxima da mina.

Estava um 4 de Dezembro de uma beleza incomum para um dia de mês de Natal.
O céu limpo e de um sol com intensa luz, que não chegava para encalorar a tarde fria, constituía tempo ideal para a Festa da Padroeira dos mineiros.
Homens de figuras secas, espremidas pelo trabalho difícil, espalhavam-se pelo recinto vasto da festa, enquanto os miúdos saltavam e corriam doidos de alegria incontida.
Toda a família mineira vestia a sua melhor roupa. As mulheres enroladas no seu xaile, raramente usado e guardado por longos meses dentro da arca no meio de bolas de naftalina. Blusa nova que para aquela ocasião sempre se mandava fazer. No pé, chinela ou sandália nova e brilhante. Os miúdos, de camisolas e calças, já usadas, na maior parte de pés descalços, libertos para topadas que esfolavam ou punham em sangue os dedos dos pés.
Os homens orgulhosos: - era a sua festa!
A banda devidamente afinada e com os músicos em traje de gala marchava direita ao recinto. As pessoas prestavam atenção à banda e ficavam embaladas pela melodia da marcha. Os filhos corriam atrás da banda, em ar de marcha, com um riso gaiato. Era a felicidade em tempo de ingenuidade.
Ali ao lado, no amplo refeitório da Companhia ultimava-se a merenda para toda a gente, merenda que por tradição metia castanhas e água-pé. As mesas compridas dispostas topo a topo, cobertas com toalha lavada e recheadas de boas iguarias constituíam sempre momento apetecido para quem durante o ano enganou constantemente o estômago.
À hora prevista desenrolou-se a procissão, momento alto de esplendor religioso. Procissão grandiosa porque nela os mineiros depositavam o seu melhor.
Era um desfilar sucessivo de crianças devidamente vestidas à semelhança do santo preferido da família. Outros, os mais velhos, frequentadores da catequese, formando duas filas, seguravam grossas velas de cera. Mas o momento mais importante era o da passagem da Santa Padroeira.
Quatro mineiros calejados, transportavam o altar em movimento cadenciado e lento. Santa Bárbara, de belo vestido azul e de faces pálidas, congregava em si a fé e a esperança da multidão que à sua passagem se ajoelhava e benzia em respeitosa atitude.
A procissão percorreu vagarosamente a distância entre o seu ponto de início e a boca da mina. Aí, iniciou a descida ao primeiro poço. Viajou pelas galerias. Lento e seguro, o cortejo entranhou-se na humidade das paredes, por onde a água corria em abundância até ao chão, formando enormes charcos. O frio somava-se à humidade criando dificuldades às pessoas. O manto da Santa Padroeira tornou-se húmido, as faces das imagens tornaram-se frias e com maior brilho.
A marcha continuou em ida e volta pelo caminho diariamente tortuoso para os mineiros.
Estava cumprida com carinho e respeito a tarefa anual, suprema mesmo, dos mineiros.
Santa Bárbara regressava à Igreja que durante um ano a recolhia em repouso.
Terminada a procissão, a festa, lugar onde as mágoas e a dor de um ano eram esquecidas, retomava a sua marcha.
As castanhas e a água-pé ou o vinho novo, as iguarias e. a encerrar, o baile, constituíam momentos finais.
Amanhã era o regresso ao trabalho extenuante que quase constituía castigo imenso para os homens.

2 comentários:

Ana Tapadas disse...

Desconhecia boa parte desta informação.
Pena se não te lemos por aí...em papel!
Bom Domingo.

duarte disse...

a vida e a morte dos mineiros...aqui bem perto temos várias minas , uma delas situada na "aldeia das viuvas"(freixeda,Mirandela)...estraía-se wolfrámio...
E a morte espreitava...
assim era em Pé durido(minas do Pejão) assim foi na urgueiriça...
abraço do vale