Perder um título olímpico e um Campeonato da Europa, sem nunca ter sido derrotado, não é, decididamente, um facto vulgar. Aconteceu com o primeiro monstro sagrado do atletismo português, Álvaro Dias. Porque os deuses do Olimpo indecorosamente o abandonaram.
Nas Olimpíadas de 1948, em Londres, uma ruptura muscular, logo nos primeiros saltos, afastaram-no de qualquer tentativa de ganhar uma medalha, ditando a desistência. Dois anos mais tarde, no campeonato europeu na Bélgica, o primeiro português a ultrapassar os 7 metros no salto em comprimento, lesionou-se na fase final e viu o islandês Torfi Bringeirsson vencer com a mesma marca que Álvaro tinha feito no apuramento, ou seja 7,32 metros. Os deuses que se envergonhem. Não lhe deram hipóteses de ser derrotado, por saberem que seria difícil. Mesmo assim, talvez por ser mais teimoso que eles, o atleta figueirense continuou a saltar, mas não foi além do 4º lugar, ele que era o favorito.
Dias chegou ao atletismo quase por acaso. Jogava futebol no Carcavelos, depois de ter começado na sua A. Naval 1º de Maio, e as suas aptidões chegaram ao conhecimento do Sporting. Então, num intervalo de um treino enquanto os seus colegas descansavam e se hidratavam, ele abeirou-se da equipa de atletismo e pediu para saltar “a título de brincadeira”, palavra dele. E pronto.
Especializou-se no salto em comprimento, e estando o record nacional há já bastante tempo em 6,89 metros, Álvaro faz em pouco tempo 6,92 e 6,95m. Num meeting frente à Bélgica, em 1946, coloca o record em 7,20 metros, pela primeira vez um português ultrapassava a barreira dos 7 metros. Na mesma prova consegue a sua melhor marca pessoal, 7,34 metros, um record nacional que durou até meados dos anos 60.
Recordista nacional de 4x100 e campeão nacional de 4x200, 4x400 e 4x800, Álvaro Dias também fez salto à vara onde não foi além de 3,45 metros, mas temos de ter em conta que não existindo ainda varas flexíveis, não deixa de ser uma boa marca.
Também foi decatlonista, mas aqui foi sempre segundo, derrotado por aquele que ele próprio considerou o maior atleta português de sempre: o benfiquista Matos Fernandes. “Era um atleta fabuloso”, reforçou ele, ignorando-me, quando na brincadeira lhe disse que o Álvaro Dias era melhor.
Entre atletismo e futebol o atleta preferia o segundo, e em Moçambique ajudou a fundar a Associação Desportiva do Limpopo, onde como treinador de jovens foi campeão. Mas também continuou ligado ao atletismo tendo tirado um curso de monitor.
Numa entrevista, no início dos anos 80, para o semanário ”Barca Nova” perguntei-lhe o que pensava do desporto actual:
Aí vai a resposta: “Houve uma evolução bastante grande, não só provocada pelo aparecimento da alta competição, mas também pela própria evolução do material utilizado, equipamentos, pistas, etc, etc. Tenho pena de não poder competir agora. Mas…”
Álvaro Dias partiu para o Olimpo no dia 24 de Fevereiro de 2005. Imaginemos os deuses a corarem, uma vez mais, de vergonha, à sua chegada.
Onde ainda não chegou o “velho” Álvaro foi à toponímia da Figueira da Foz, a terra que sempre considerou sua.
Vá-se lá saber porquê…
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
1 comentário:
Estão os dois em excelente forma. A toponimia de uma cidade é ditada e construída pela espuma dos dias. Na qual entre muitas encontro uma Avenida, ou seja lá o que for, dedicada a essa ilutre figueirense Dona Amalia Rodrigues. Reserve-mos pois a memória de Alvaro Dias para a história. Construí-la implica esforço, dedicação e não glória. Daí que... continuação do teu Excelente Trabalho. Serve mais que muitos tóponimos. Ensina a corrigir alarvidades. Obrigado.
Enviar um comentário