sábado, 31 de janeiro de 2009

O país dos cães abandonados

por Augusto Alberto

Numa fatídica volta ao Algarve em bicicleta, Joaquim Agostinho, atleta dos nossos contentamentos, atropelou um cão vadio, caiu e bateu com a cabeça no chão e apesar de muito combalido, ainda arranjou forças para acabar a etapa e depois de a ter acabado, acabar no hospital, acabando por entrar em coma violento e acabar morrendo para nosso desconsolo. E eu por esses tempos, claramente muito mais novo, correr diariamente 30 km, era coisa consensual e sem leve esforço. Levíssimo este rapaz. Um dia numa dessas corridas pela lindíssima Serra da Boa Viagem, porque foi antes do arrasador fogo de 1993, decidi mudar de rumo, alterar o trilho e experimentar passar por lugar diferente e inabitual. Meti por vereda abaixo, com o plano oceano, a lindíssima enseada de Buarcos e a cidade, sempre em frente aos meus olhos. E eis que num dado momento sou obrigado a estancar porque ao caminho me saíram dois corpulentos cães doberman. Claramente assustado, parei sorrateiramente em frente ao portão do quintal da habitação que os cães guardavam. Sem me mexer e rezando à minha sorte para que os bichos não perdessem a tramóia e compostura, fiquei sossegadinho, sem um movimento, para além do acto autónomo da respiração. Os cães devem ter percebido que afinal eu não era ladrão, atenciosos, ficaram sentados sobre as patas traseiras com os olhares ferrados em mim. Passados curtos minutos, mas longos para o efeito da libertação, decidi arriscar sair dali e comecei pé ante pé a recuar calmamente, até atingir a estrada principal, de que nunca me deveria ter apartado. Os cães sempre vigilantes, educados ou com pena, sem esboçar qualquer intenção violenta, quando chegados à estrada, despediram-se e eu respirei fundo e retomei o que faltava para acabar os 30 km da corrida diária, em paz e sem mais contratempos. Estes cães não eram vadios, estavam superiormente educados, fizeram o seu trabalho de modo enxuto e para meu consolo, sem pinga de sangue, o que a verificar-se, ter-me-ia sido fatal. Foi o meu maior susto em dezenas de anos, muitos, de corridas, ainda que por ora esteja a ser vítima de outras sociais ferradelas.
Nos dias de hoje, vá-se lá saber, a cidade e as freguesias que eu percorro a pé ou bicicleta, porque o automóvel é bicho que me não assenta, está infestada de cães abandonados e por isso vadios. Alguns bem tratados, ainda com coleira nova, a dizerem-nos que os donos se fartaram. Talvez porque o dinheiro já não chega para as sopas da família, que fará para a ração do cão e então, rua. Talvez porque o estado de ética e empenho moral das pessoas esteja a ser levado, como o mar cão, em dia de temporal, leva a areia da praia. Não sei…O que sei é que esta pátria está a ficar exaurida e por essa causa, a perda de referências sociais são também uma evidência, e por estas razões os cães também são obrigados a pagar a crise, tal qual os humanos donos. Mas tenhamos calma, porque neste entretanto, nem todos somos iguais, tal como os cães, cirandam para aí uns que são mais, muito mais cães do que outros. Há uns cães que se enroscam em tapetes, alguns persas, será? Outros que repousam o focinho em fofas almofadas, outros ainda rosnam de sono em sofás espampanantes. Outros, que sabemos nós, outras riquezas têm como por exemplo, cobram a sede bebendo champanhe em finas taças. São os que eu chamo de cães “pavlovianos”, porque salivam mesmo de pança cheia.
Mas os rafeiros e os abandonados, sofrem, porque primeiro sofrem os donos, que socialmente abandonados, correm com os cães para as estradas e veredas deste país. E eu, apesar de cidadão respeitoso e de ter levado um susto há mais de vinte anos, de volta e meia, ainda hoje, levo com cães às canelas e por isso ainda me assusto. Não sei que mal eu fiz, porque o raio dos cães não me largam. E a vós? Será que a sorte é a mesma? Será que a sorte que acompanhou Joaquim Agostinho naquela fatídica volta ao Algarve em bicicleta, acaba por ser a sorte que nos está permanentemente a acompanhar? A ser verdade, então deixai que vos diga que vai sendo tempo de ir à procura de outras sortes.

quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

Pronto. Estou desolado

Estou completamente desolado pelo facto de o "anónimo neo-liberal" não ter comentado os últimos posts aqui publicados.
Será por estar embatucado porque o chefe está a ser descoberto? E será solidariedade ou é tão sério quanto o chefe? Ele (o chefe) falou há pouco na TV sobre aquele caso do... do... free qualquer coisa, pronto, e não disse nada de concreto. Pelo menos algo que eu entendesse, nada. Tergiversou quanto pôde, e, diga-se em abono da verdade, tegiversou talqualmente um artista em cima de um trapézio. Foi espectacular, o chefe. Quase diria que gostei.
Um dia destes falo do referendo na Bolívia, pode ser que o distinto anónimo, agora embatucado, volte a deixar por cá um comentário. A não ser, bem entendido, que o senhor tenha começado a comentar em blogues ingleses. Nunca se sabe, mas que tinha piada, lá isso tinha.
Agora dou asas à minha imaginação. E imagino, por exemplo, que o "anónimo neo-liberal", pensando no chefe, solte uma expressão talqualmente igualzinha a um verso de um poema de António Botto: "Enfim, gosto".
Vai daí também o senhor Vital Moreira iria fazer um blogue em inglês. Admiravam-se? Para defender o chefe, vale tudo. Ou não?

Um azar nunca vem só…



José Freeport, perdão, José Sócrates, o já inefável primeiro-ministro de Portugal, anda mesmo em maré de azar. Problemas jurídicos e familiares. Daqueles, ele são as autoridades inglesas a darem-no como suspeito, estes sucedem-se, é o tio não anda bem da carola, é o primo que está na China, diz-se que em recolhimento espiritual. Pronto, há recolhimentos desses muito oportunos. E doenças da carola também.
A modos que para minorar o sofrimento do nosso primeiro, e como solidariedade, pois também é necessária, aqui vos deixo um link para verem(lerem) uma resenha do que foi a sua perfomance na acção governativa durante este mandato que está quase-quase a finar-se.
Porque é bom, e importante, relembrar. Pode evitar que cometamos o mesmo erro.

segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

Isto está a pedir uma varada

por Augusto Alberto

Está mau tempo por todo o País e nesta tarde apetece-me reflectir sobre pequenas coisas do quotidiano da semana. E a primeira é sobre a possibilidade de um cão de água Português ser o cão eleito para a Casa Branca. Magistral! Ocorre-me o comentário de que estamos em boa verdade perante um presidente americano um pouco mais culto do que muitos dos seus concidadãos, que por regra bolça verdadeiras e vastas baboseiras. Este, enfim, sabe que existe um país nesta costa ocidental, bem mais velho do que o seu e de história, ao que se diz, também imperial, que se chama Portugal. Americanos, não raro, referem-se a esta pátria como não conhecendo ou como uma província de Espanha. Ainda não é razão suficiente para eu apreciar o homem, eu sei, mas com outras tantas como esta, sou capaz de me entusiasmar e quem sabe se não mudo a visão das coisas. Por oposição, e confirmando a tal sábia ignorância de muitos americanos, ocorre – me reflectir também que o anterior presidente do império deverá enfileirar no número dos distintos analfabetos, porque para além de se ter esquecido dessa figura que completou um bando a 4, Durão Barroso, foi o único que não levou “chapa”, pelos actos bondosos a favor das terrificas guerras, ainda por cima se lhe referiu, como “Borroso”, se lhe somasse outra gafe, ainda dirá, para mim, com todo o propósito, “ranhoso”, e me parece tão só que os Açores lhe pareceu uma sua quinta, ou sei lá, mais um estado do Império. Que digo eu.
Mas como em bom pano pode sempre cair uma mancha em dissonância, porque alguns defeitos esta pátria haverá de ter, no meio de tantas santas virtudes, meninos por aí, fizeram gazeta às aulas porque o frio lhes entorpecia os ossos. Apetece-me dizer que cá para mim, o Ministério, avaliado, chumbava já sem discussão e sem grande perda de tempo com reuniões e outros tantos trabalhos burocráticos, mesmo contra a vontade daquele grupelho, que no beija-mão, se reuniu em conclave no Largo do Rato. Era canja…
Mas não se julgue que estas coisas são novas, ressalvando a admirável história do cão de água, que um dia poderá ser presidencial cão, não me recordo de outra semelhante, então eu quero aqui socorrer-me de palavras sábias de um distinto português, este Obama não conhece de certeza, Eça de Queirós. O que disse, então? Passo a citar, das suas crónicas de uma campanha alegre, escrita a meias com outro Português insigne, Ramalho Ortigão, para as “farpas”.
…a escola por si oferece igual desorganização… são na maior parte uma variante torpe entre o celeiro e o curral… nada torna o estudo tão penoso como a fealdade da aula. (Março 1872)
- O País está atrasado, embrutecido, remendado, sujo, insípido. (1871)
- Mas esse Povo não se revolta? – O Povo às vezes tem-se revoltado por conta alheia. Por conta própria, nunca. (1871)
- Um país geralmente corrompido, em que aqueles mesmo que sofrem não se indignam por sofrer. (Janeiro 1872)

Estas palavras têm 140 anos e ao que parece o sentido das coisas não muda e então pior fico, confirmando Eça, quando numa ronda pela imprensa diária me deparo com notícias das sabujices na pátria que nos pariu e que infelizmente nos deu esta gente carregada de imundice. De tão mascarrado, resolvo continuar em rede, na tentativa de me sossegar e aliviar e vou direito ao sítio do jornal “granma”, o jornal da Ilha, e deparo-me, enfim, com notícias decentes em país do terceiro mundo, que falam do reconhecimento por parte da Organização Mundial de Saúde dos notáveis avanços na área das tecnologias e dos cuidados sanitários na Ilha. Reconhecimento feito, aliás, pela Presidente da Argentina, Cristina Krichner, na sua visita a Cuba e ao seu instituto Finlay de biotecnologia.
E eu a julgar que no terceiro mundo só existem más noticias e que para ter boas, só no primeiro. Enganei-me. Ora porra!

sábado, 24 de janeiro de 2009

É como na farmácia: há de tudo

O caso Freeport ainda irá dar muito que falar. Se, como tudo indica, ou não estivéssemos em Portugal, não for encerrado por falta de provas, aliás como é habitual sempre que os implicados sejam tubarões ou seus fiéis servidores.
Mas desde a construção numa Zona de Protecção Especial do Estuário do Tejo, à existência de um decreto-lei aprovado 3 dias antes de umas eleições legislativas precisamente para se alterar a impossibilidade de aí se construir, passando pelas suspeitas por parte das autoridades inglesas de fraudes fiscais, desvios de verbas e sabe-se lá mais o quê, os condimentos são muitos e variados. Ou seja, evidências a mais para não existirem culpados.
Estranho, estranho mesmo, é a existência daquele decreto-lei sem o conhecimento do responsável máximo da respectiva tutela. Enfim, até parece que dá jeito isto parecer a república das bananas.
Isto é que vai um autelete e um alca “gate”.

quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

Da Casa Pia com muitos e bons laços

por Augusto Alberto


Em 1957 rumei à Casa Pia de Lisboa e percorri os colégios masculinos fundamentais da Instituição. No ano anterior, um lancinante momento modificou para o mal, que sei eu, a minha vida. Perdi a minha mãe, tinha 7 anos. Confesso que puxada atrás a memória, não consigo descobrir nenhum azedume com esse tempo e essa fatalidade. O pior veio depois, porque houve momentos dolorosíssimos, sobretudo, no início da tomada de consciência e da percepção das coisas. Mas não é desse azedume que aqui quero falar, é de outro, como adiante direi.
Passei então pelos colégios de referência da Instituição e tenho desses anos uma única relação amarga, uma fase de adaptação muito longa, mais de um mês em que estive só, numa enorme enfermaria, sem companhia, mas depois, de seguida, fiz muitos e belos afectos. Na primeira etapa, com passagem pelo colégio Nuno Álvares, em Belém, num amplo palacete de vários andares, com corredores altos, longos e largos, onde o som ecoava esplendidamente, com amplo recreio, onde tudo se passava, as aulas nos edifícios bordejantes ao longo pátio em terra batida, até às enormes salas que nos guardavam do frio, da chuva e do vento, dos banhos memoráveis de água fria, pelas 6.30 horas, para nos tornar mais fortes. Um mundo de histórias que nos floreava a imaginação, porque muitas delas com um estranho e delicioso sentido conspirativo, de ladrões que se atreviam a pular os enormes e robustos muros, que eram afastados ou caçados pelos nossos vigilantes nocturnos, estes os nossos verdadeiros heróis, como é bom de ver. Eu era um menino bem comportado e por isso recebi várias recompensas das nossas preceptoras, que vivam em absoluto ao nosso lado. Só me lembro de lhes sentir alguma folga, quando nas tardes de sábado ou de domingo, quando bem ataviados íamos fazer um longo giro pelos jardins da Praça do Império, frente aos Jerónimos, e elas fugiam fugazmente para ir ao encontro do namorado. Por norma, eram jovens no limite dos 30 anos. Formávamos grupos entre os 30 e 40 alunos, que ocupavam enormes camaratas, com camas de ferro individuais, e eramos vigiados em permanência.

Tornei-me um menino de referência, aluno de nota alta e no limite da idade para permanecer no Nuno Álvares, foram três anos, fui transferido para o colégio dos colégios, o Pina Manique. Foi mais um tempo de profundos laços e emoções, mas não consigo saber porquê, ou sei, o rendimento escolar caiu abruptamente. Depois do melhor, o pior. De qualquer modo, as memórias que guardo são perenes, porque me marcaram muito para o bem, apesar desse entorpecimento. Lembro-me de pintar muito, durante muitos anos gostei imenso. Hoje já não sei? De ter feito duas personagens em duas peças de teatro sequentes. Pelo Natal, a figura do menino. Que belo menino… Pelo Carnaval, fiz de polícia bêbado, figura popular muito causticada, num período de fraco respeito pelas pessoas. E agora que democrático respeito? Era muito comum passar as tardes de domingo, no estádio do Restelo, logo ali por cima. Fica-me na memória, como já aqui referi, um fabuloso Matateu, de seu nome. Passear pelos claustros dos Jerónimos, sair nos Jardins da Praça do Império, e tomar o ar do Tejo, logo ali em frente era,em absoluto, uma tentação.
É importante que diga, para se perceber como o colégio de Pina Manique se tornou o “ómega” dos colégios nacionais, e este é o tal ressentimento de um “ganso”, que todos éramos órfãos e estávamos sujeitos ao absoluto internamento, e nem por momentos saíamos desacompanhados ou estranhos invadiam o espaço que era comum a centenas de jovens, que iam dos 10/11 aos 18 anos. A disciplina, o rigor e a inviolabilidade do espaço, eram certezas adquiridas.
Parece-me, só me parece, que a grande questão que resulta na péssima imagem de um colégio de referência, está exactamente na alteração da circunstância do internato, e na sequente abertura diária a um mundo externo, em desbragada degradação e que teve a oportunidade de calcorrear, abeirar e penetrar dentro de uma instituição que formou gente do melhor que este País já teve. Como “Ganso”, fui-o durante 5 anos, lamento muito que gente menor, tenha aproveitado numa desgraçada oportunidade, deixada ali à mão, por culpa do laxismo de gente que sobre nós trepou, à custa de truques e passes de mágica, para conseguir degradar uma Instituição, que acolhe (u) meninos com vida difícil, e que hoje estão em séria dificuldade em se reequilibrar.
E isto só foi possível porque somos o povo que somos e que, exactamente por isso, temos permitido que gente de calibre voraz e medíocre, tenha conseguido invadir os nossos espaços e vidas. Não sei por quanto tempo ainda mais. É que eles pressentem que em terra de cegos quem em tem um olho é rei, e esta é a questão central.

terça-feira, 20 de janeiro de 2009

A greve dos professores

Ele há cada cromo que mais parece uma besta quadrada. O que é aflitivo e grave, gravíssimo, é haver gente que à partida deveria ter uma certa responsabilidade no que diz e no que faz e... nada. Há quem chegue ao desplante de ser tão patético ao fingir que não conhece o Artº 57 da Constituíção da República Portuguesa e que vivemos num estado de direito.
Gente com responsabilidades, aqui e agora, que parece que adormeceu no dia 24 de Abril e ainda não acordou.


O Sr. Albino, a Sra. Ministra (mais os seus lamentáveis secretários) e Sua Excelência o Senhor Presidente do Conselho, imaginam-se a falar para um universo de professores e de cidadãos sem cérebro. Estão muito enganados!

Parabéns aos professores, por mais esta sonora afirmação da sua vontade e determinação!

Ufff!!!! já só falta um...


Deste bélico quarteto ainda continua um tratante no activo. Mas nem por isso o mundo vai revelando melhoras. O problema de fundo está no sistema.
O que faz lembrar, por isso, um antigo ditado catalão: "Se todos os filhos da puta voassem, nunca mais veríamos a luz do sol".
Que deles há para aí, não é?



segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

Histórias de mineiros: Em jeito de posfácio

Chegada ao fim a republicação destas histórias, escritas e publicadas no semanário “Barca Nova” em 1980, poucos anos após o 25 de Abril, portanto com a memória ainda viva do que foi a exploração desmedida daqueles tempos, com a memória ainda viva do que eram as condições de vida e de trabalho, cabe-me dizer umas palavras.
A primeira é de agradecimento a Augusto Alberto, por ter anuído à sua republicação. Porque, para além do interesse jornalístico que tiveram à época, impõe-se dizer que elas têm, e continuarão a ter, interesse histórico.
Os protagonistas das histórias já não existem. Augusto Alberto conseguiu ainda falar com alguns. Deixou testemunhos vivos de quem viveu e trabalhou naqueles tempos. De quem lidou, diariamente com o sofrimento, com a dor, ampliados pela violência fascista.
Desde a publicação das histórias já cresceram várias gerações. Que muito naturalmente não fazem a mínima ideia de como se sobrevivia naqueles tempos. Que muito naturalmente pensarão serem tempos impossíveis. Mas não, foram mesmo possíveis e reais. Que muito naturalmente nem sabem nem sonham que por ali, naquele lugar muito visitado, onde se passeia, se caminha, se corre ou se anda de bicicleta, existiram as referidas minas.
Como escreveu Augusto Alberto “dá jeito que essa gente saiba que por ali também gente, pelo menos há meio século, sofreu e amargou para viver”.
E pronto. Resta acrescentar, e divulgar, que estas histórias vão ainda ter mais uma utilidade. Em nome da cultura, da literatura, da memória futura: a partir delas o autor está já a trabalhar num romance. E, para finalizar, deixar aqui votos para que o talento revelado pelo escriba na crónica se manifeste também na ficção.

domingo, 18 de janeiro de 2009

Histórias de mineiros (XI)

Ponto final

Augusto Alberto


Durante algumas semanas, algumas histórias de mineiros foram contadas. É chegado o momento de se concluírem estas histórias, ficando embora muita coisa para contar.
Retratar a mina é difícil, senão impossível, para quem nunca a viveu. Aquilo que se conseguiu foi o depoimento memorial dos que da mina fizeram ganha-pão. Depois houve que trabalhar a história, imaginar quadros. E foi assim que saíram durante 10 edições coisas da mina.
Foi curioso verificar como as reacções a um passado não muito distante foram de tal forma fechadas que se tornou difícil, por vezes, a recolha daquilo que interessava na história, salvo raríssimas excepções. Todos os contactados concluíam pela vida difícil, paupérrima, mas chegado o momento de desenvolver os quadros possíveis da época aparecia o enconchamento, numa recusa simples e humanamente perceptível. “Oh! Já pouco ou nada recordo!”. Ficava-se com a ideia de que os homens não queriam desenterrar um passado de privações e humilhações. Um passado cruel. E quem sabe mesmo se daí a recusa generalizada em o lembrar?
Hoje o que existe da mina sãos homens. Vivem no mesmo bairro, ontem exclusivo de mineiros, hoje compartilhado com os filhos e com outros que da mina só lhe ouviram o nome. Adquiriram as casas simples à companhia. Introduziram-lhe modificações para as tornar mais salutares, criaram anexos onde vivem os filhos e os netos. Deram um âmbito mais lato às coisas que ontem eram seu exclusivo, e hoje pertença de todos. É o caso da Festa em honra de Santa Bárbara. Santa Bárbara já não percorre as galerias e nem sequer se realiza em Dezembro. A Festa dos Mineiros adaptou-se ao sentido real da vida. Foi antecipada de Dezembro para Agosto. Recolhe a presença de emigrantes e aumenta os respectivos proventos.

Muitos dos mineiros têm filhos e netos nas sete partidas do mundo. Há como que uma continuidade histórica da incapacidade do mundo que é seu em satisfazer os seus. Se ontem era a humidade que resfriava os ossos, a fome e os maus cheiros da mina, hoje é a necessidade de recorrer a outro mundo para viver.
Muitos estão para lá há já bastantes anos. Assimilam novos hábitos, nova cultura, enquanto os mais novos, alguns já lá nascidos, engajam esses novos hábitos, essa nova cultura. De tenra idade que da mina do avô nem a mínima referência possuem.
O fascismo obrigou a emigrar e concomitantemente criou a ignorância e a exploração desenfreada. Hoje algumas dessas premissas ainda se mantêm quase intactas. Há como que um atavismo histórico.
Recordo que há bem pouco tempo uma mulher de mineiro, ao jeito triste do nosso povo, recorreu ao vizinho, mineiro reformado, para lhe ler a carta que a filha lhe tinha escrito da França. No fim desabafou:
“é triste não saber ler, mas logo de pequeninos tínhamos de ir trabalhar…”
Creio que a esta mulher talvez tivesse faltado a percepção de que o mundo dela, da mina, ao mundo de sua filha emigrante, só existe uma diferença de forma, porque o drama continua a existir. Ou não será que a saudade da filha pela terra que a viu nascer e crescer, a despedida à hora da partida, a carta que se escreve e que se lê, até talvez a assimilação forçada daquilo que é estranho, também não são um drama?
A mina lá está banhada pelas águas do oceano. Resta o local, as entradas pela serra, totalmente cobertas de arvoredo, urzes e espinhos.
Os mineiros reformados, ou os que ainda trabalham nas fábricas de cal ou do cimento, juntam-se no cantinho dos reformados, consomem horas a fio no jogo da malha, na conversa. Ambições, nenhumas. A mina cansou-os!...

sábado, 17 de janeiro de 2009

Um tal complexo suspenso de um dedo (Crónica em desalinho)

por Augusto Alberto

Um cidadão que por esta nossa terra possui interesses patrimoniais, em desalinho com a juíza que julgou, ou julga ainda, nem sei, uma questão, exactamente à volta desses seus interesses patrimoniais, azedou na hora do frente a frente no tribunal e sortido de arma branca, para cagaço de toda a gente, rapa de uma faca, disse, comprada na feira da Tocha e zás, deu três facadas no dedo, para não dar na justiça, e claro está, ficou a ficar com menos um dedo na respectiva mão.
Não discuto as razões de tamanho acto, podem ser nobres na perspectiva desse, só pode ser, inconsolável cidadão, mas já agora quero aqui lembrar, para além das razões patrimoniais, que parece se prenderem com um terreno que deverá suportar um putativo parque desportivo da cidade, um conjunto de histórias com história.
No ano do descalabro eleitoral do P.S no concelho, também eu fui cabeça de lista à eleição para a Assembleia da minha Freguesia, e como é bom de ver, também fui de rompante. Quem podia acreditar num tipo como eu? Estive eu, e os cabeças de listas do P.S., confrangedoramente derrotado e o do P.S.D., amplamente vencedor, num debate na rádio da cidade e lembro-me logo ali de o candidato do P.S. ter oferecido obra de estofo, uma piscina no miolo da praia. Se alguém julga que me benzi, pode tirar o cavalo da chuva, porque não sou de missas e igreja, e já há alguns anos pouco impressionável, mas fiz sentir ao meu amável adversário que isso poderia ainda vir a ser coisa, mas porque raio tendo sido o P.S. poder quase 20 anos de carreirinha, nunca lhe tinha passado pela cabeça semelhante decisão? E, mais lhe disse, naquele instante de agonia eleitoral, que o P.S. haveria de pagar nessas eleições, pelo que não fez e pelo que de mal fez à cidade, e foi muito, diga-se. É evidente e bem, o meu adversário não gostou do remoque, mas como bom democrata, lá encaixou.
No rescaldo dessa derrota descomunal do P.S., apareceu por cá, o tal, o coiso, o outro, aquele que tem andado por aí… o Dr. Santana Lopes, e chegou o tempo das festanças e andanças e logo o P.S. entrou em desconforto e orfandade e de seguida, ruminando sobre tão sôfrega derrota, fez à cidade um conjunto de propostas, que de cabeça recordo, entre outras, o tal complexo desportivo, multiplico, para atletismo, rugby, e creio que um sobranceiro campo de golfe. E como não há pacote, pensaram, com destino a pacóvios, sem brinde, ainda acrescentaram um túnel pedonal para a outra margem. Um brinco este brinde. Ora ai estava o P.S. raivoso, porque nunca se permitiu pensar em perder o concelho de modo magistral e ainda por cima para o outro… e vai de propor atabalhoadamente e entrando pelos caminhos da amnésia, esquecendo que foi poder quase 20 anos ininterruptos e que nessa altura é que deveria tudo isso ser proposto e realizado. Quando a amnésia nos apanha, ficamos em regra desorientados.
Depois o coiso andou por cá e em matéria de desporto quis atrelar a Cidade a um faraónico estádio, que a Cidade, desta vez não estando felizmente distraída, resistiu. Entretanto, o tal complexo desportivo continuou sempre inscrito, mas até agora, nada, e não se sabe ainda para quando. Eu aqui quero fazer um compasso, para dizer que já existe espaço desportivo nesta terra e só é o que é e está no estado em que está, porque outros interesses se levantam, como é bom de ver. Eu estou á vontade para falar do actual parque desportivo porque andei por lá muitos anos como atleta e treinador e com um pouco de vontade, está ali a solução para as necessidades da cidade. Mas querem-nos continuar a levar por parvos, o que é que se lhes há-de fazer…
Entretanto o tal complexo continua enguiçado e vai de certeza ser promessa mais uma vez, tanto de uns como dos outros na próxima contenda autárquica e pelos vistos, ainda vai passar pelos interesses de gente que acha que por ali ainda os tem, e este sujeito que assim desbaratou o dedo em tribunal, é um deles, apesar de o tribunal ter dito que sim, que tudo pode começar, embora me tenha parecido que o Sr. Presidente da Câmara não tenha ficado muito folgado. Então para acabar, eu atrevo-me a dizer que se calhar mais rápido fica um cidadão sem um dedo da mão do que a cidade com o tal complexo e, por isso, se trata de facto de coisa complexa.

... com que a força da vida

sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

Não me desuno nem abjuro recordações muito precisas. A factura está a ser bem alta. (Crónica em desalinho)

por Augusto Alberto


Em 1974 viajei de comboio, via Paris, para a União Soviética. Começou aí uma experiência de que não me arrependo. Viajamos numa companhia, wasteles, de triste memória. Sem água e aquecimento tornou-se uma tortura, sobretudo a viajem de regresso, rente ao Natal. A passagem dos Pirenéus foi dolorosíssima. Os nossos emigrantes, com escassos meios, utilizavam este comboio, com carruagens como se de choças se tratasse. Escravatura, em comboio de brancos. Uma desumanidade!
Da União Soviética tenho recordações muito precisas, embora, apesar de ser um jovem e estar naquele momento na procura de uma maior informação, já pressentia que as coisas não iam bem. Este lado estava a ganhar a batalha e por lá a atrapalhação era um facto. Breznev tinha percebido, mas sobretudo Andropov, só que este viveu pouco, muito pouco para obrigar a produzir os efeitos desejados. Chegou essa figura melíflua, Gorbatchev, que a história haverá de qualificar. É só esperar.
Recordo desse período de 1974 raros momentos, como a minha única experiência ao vivo, na ópera, no grande teatro Bolchoi, a Cármen. O lago dos Cisnes e o fabuloso D. Quixote no Palácio dos congressos. Os concertos no teatro Pushkin, ali ao vivo, a 9º sinfonia, que me deixou colado à cadeira. O fabuloso espólio da galeria Tetreakov. E do ponto de vista desportivo, escasso dias antes de regressar, uma visita ao torneio do jornal Novidades de Moscovo de patinagem no gelo. O par, Irina Rodnina, Alexandre Zaitzev, campeões olímpicos multiplas vezes, em preciosas linhas curvas e saltos fugazes, bem como essa elegantíssima Mossaiewa, vindo do ballet clássico do Bolchoi, de desenhos plácidos. John Carre, um notável patinador inglês que naquela noite patinou delicadamente, deslumbrou e derreteu corações, apesar de patinar no gelo.
Em 1980, assisti pela televisão aos Jogos Olímpicos de Verão, em Moscovo. A União Soviética tudo fez nesse momento para dar andamento a pretensões de maior modernidade, mas decisões discutíveis, suicidas, atrevo-me a dizer, permitiram o apertar da tenaz. Desses Jogos, recordo na cerimónia de encerramento, aquela última lágrima a descer pela face do urso siberiano Misha. Um adeus! Um prenúncio da desgraça que por aí haveria de vir.

E num dia desses ouvi comentários do embaixador reformado, José Cutileiro, que um dia poderá explicar que técnicas se usam para desmembrar um país, como a Jugoslávia, a propósito das manobras conjuntas da marinha russa e venezuelana precisamente em águas venezuelanas, que a marinha russa de hoje está bem longe da grande marinha soviética. Sublinho, grande. Fogo-fátuo e decadente, sublinhou. Também um jornalista russo em entrevista há bem poucos dias, reafirmou que a Rússia é hoje um país de terceiro mundo. Deserdada, com vasta imoralidade, falta de auto estima, etc, etc. Tudo o que qualifica as misérias. E eu estou à vontade porque conheço o verdadeiro fracasso da equipa olímpica russa de remo. Dirigentes e atletas envolvidos sofregamente no álcool e a deitar mão da dopagem para poderem sobreviver desportivamente num mundo física e tecnicamente muito exigente. De tal modo foi a humilhação, que na hora de colocar o barco na água para iniciar a competição, foram impedidos pelas autoridades desportivas. Um autêntico fracasso desportivo e descalabro moral. Exactamente tudo aquilo de que era acusada a ex-União Soviética, onde nada disto era possível, apesar de sérios equívocos, que se continue a reafirmar.
Nunca mais voltei à Rússia, mas tenho bem noção desta hecatombe moral, ética e social. Talvez um dia eu vá por lá confirmar imagens de gente, muita dela jovem, em farrapos, que dorme nas avenidas das grandes marcas que fazem do absurdo consumo o alfa e o ómega da sociedade contemporânea, por isso, hoje, completamente zonza, tal como eu no penúltimo dia do ano de 2008, quando pelas cerca das 9.00 passeei pela baixa lisboeta, no dia em que fui à capital tratar da minha aposentação e vi muita gente a dormir enrolada em cartões, pasme-se, por baixo das arcadas do teatro Nacional D. Maria e na sala de visitas do Terreiro do Paço, local de ministérios, protegidos da chuva e do frio. E se já não bastasse, aquela baixa que eu já há muito não visitava, de modo tão sorrateiro, desde que deixei Lisboa e regressei à minha terra natal, suja, e imunda. Aquele arco da rua Augusta, negro. Um pavor, como a vida daqueles que dormem enrolados por trapos e cartões. Uma capital que me parece governada sem paixão e amor. Apetece perguntar, oh povo, oh capital, de que pátria sois?
Democratas e liberais de agora, tenham vergonha, porque já vai sendo tempo. E não me venham com merdas, porque eu não me desuno nem abjuro recordações muito precisas. A factura está a ser bem alta.

Autárquicas: o que já se vai constando


Ouve-se dizer, nos arredores da aldeia, que o engenheiro Duarte Silva, na imagem visto pelo artista Fernando Campos, vai-se recandidatar ao cargo de presidente da Câmara. A ser assim também não será admiração nenhuma, pois no início deste mandato que agora está prestes a finar-se, o engenheiro disse que estaria disponível para uma recandidatura. A coerência é sempre de sublinhar. Fonte próxima do PSD disse à "aldeia olímpica" ser Duarte Silva o candidato que menos desune o partido das setas, mas foi incapaz de nos dizer qual o que mais une.
Também pelas bandas do PS já terá começado a distribuição de tachos. O que se ouve dizer aqui pelos arredores é que o conimbricense Vítor Baptista, ex-governador do distrito, caso não integre as listas para o parlamento europeu, que lhe merecem, aliás, a prioridade, será então candidato à presidência da Câmara Municipal da Figueira da Foz. Será uma questão de timing, de conveniências, enfim, vá-se lá saber de quê.
Do que não se falou é se o referido político tomará posse como vereador em caso de derrota.
Mas se Baptista não avançar, adiantou-nos uma fonte ainda algo distante do PS (sem D), a solução poderá muito bem passar por um dos professores que muito comprensivelmente irão dar aulas na próxima segunda-feira.

quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

Porque é urgente dar a volta a isto



A "aldeia olímpica" está solidária com a luta dos professores.



Oui, c'est possible

Il est encore possible épater les bourgeois. Surtout quand ils ont le coeur bien au chaud, comme d'habitude, de toute façon.
Toute l'information ici.
(A propósito de um "cadeau" que os "europeus" receberam da sua própria presidência)


quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

Lusofonia total

O senhor da foto foi jornalista, professor e escritor. Filho de um português e de uma cabo-verdeana nasceu em Moçambique. Cresceu em Angola e é um clássico da literatura de expressão portuguesa daquele país. Também viveu no Brasil, onde, aliás acabou por falecer.
Se clicar aqui ficará a saber quem é. Como também ficará a saber que um dos maiores escritores brasileiros de sempre nunca foi publicado em Portugal.

terça-feira, 13 de janeiro de 2009

Zé Diogo, e Zé Maria que são meus amigos (crónica em desalinho)

Augusto Alberto

O Zé Diogo foi meu companheiro de turma e também de carteira, na escola secundária onde ambos estudámos. Era um rapaz de longas e ágeis pernas. Um pernalta! Decidiu-se pela experiência do atletismo e durante vários anos foi campeão nacional de corta – mato escolar no âmbito da Mocidade Portuguesa. Aquela coisa fascista de que aproveitávamos os meios, diga-se com toda a verdade, e que hoje continuam bem longe de existir, ainda que custe a algumas democráticas almas tal revelação, porque esta democracia faz da omissão, a sua regra, nesta como em outras matérias. Depois decidiu-se pelo Sporting e por aí foi correndo até ao mais alto grau da disciplina. Foi muitas vezes campeão e atleta internacional, numa época em que o desporto de rendimento era mais do que incipiente. Dotado de soberba resistência e apurada velocidade, tinha tudo para ser um eleito. Perdi-lhe o rasto, mas um dia consegui chegar-lhe de novo. Estávamos ambos em Moçambique. Eu em Nampula e ele em Cabo Delgado. Apressei-me a enviar-lhe uma carta e reatamos os contactos. Contou-me então que estava gordo, tinha entrado pela cerveja e estava magoado, porque no auge da sua carreira atlética, tinha sido atirado para a guerra e agora já não se julgava capaz de retomar o nível que fizeram dele um dos eleitos para suceder a esse notável Manuel de Oliveira, que nos Jogos Olímpicos de 1964 em Tóquio, só cedeu a medalha na parte final dos 3.000 metros obstáculos. O Zé Diogo estava na calha, mas a pátria, esta pátria enviou-o para a penumbra. O bicho da corrida mordia-lhe. Disse-me que um dia tinha lá na terra onde estava destacado, organizado uma corrida pelas picadas da povoação. Para ganhar aos naturais, habituados ao pé descalço e à picada, sabia que com jogo igual perderia, convence-os então a beber umas aguardentes antes do tiro de partida, porque seriam mais rápidos. A aguardente produziu o efeito que o meu amigo Zé Diogo desejava. A maior parte dos seus competidores de ocasião desistiu, como seria de esperar e o Zé com esta artimanha acabou por ganhar a corrida. Disse-me que se riu muito e safou a imagem, porque por ali era uma espécie de mito. Uma brincadeira! Mais tarde foi eleito para o triangular anual, Moçambique, África do Sul, Rodésia, para os l0.000 metros. A meio acabou exausto deitado sobre a relva junto à corda. Sentia que já não era capaz, disse-me. Voltou da guerra e ainda tentou de novo no Sporting, mas o seu tempo tinha, de modo forçado, acabado. Mais tarde, encontrei-o por acaso, numa das minhas sortidas na maratona de Lisboa. Logo nas primeiras. Não o reconheci, estava muito diferente do Zé de passada ampla e elegante e velocidade base admirável, como se requer a um fundista de topo. Eu estava mais parecido com o ar da nossa escola. Chamou-me e reapresentou-se – me. Senti uma enorme alegria. Voltamos no ano seguinte a encontrarmos – nos no mesmo lugar, em semelhante ocasião. Seguia a sua modalidade por perto e deu-me os parabéns por continuar apesar da idade madura. Mas ele, ele estava inevitavelmente triste. A pátria para ele tinha sido uma merda, confessou-me.
O Zé Diogo é para mim uma longa e persistente saudade, porque eu acredito que aquele meu amigo de carteira, numa outra pátria teria como poucos, como é normal, atingido alto grau de rendimento atlético. Teria estado com certeza nuns Jogos Olímpicos e eu estaria todo contente e provavelmente recorda-lo-ía nesta “aldeia” de outro modo. Mas a pátria, sempre a pátria…

O meu amigo Zé Maria, meu vizinho e companheiro de primária, o melhor de todos, filho de família pobre, conseguiu a custo duro nos anos 60 formar-se em engenharia. Um verdadeiro e preciso feito para aquela época. A sua mãe buscava diária e incessantemente a lata da lavagem para criar os porcos, com que sustentava os filhos e formava aquele filho dilecto. O Pai passava meses sem ver a família, porque trabalhava nas obras que construíram à época os maiores molhes e as maiores barras do País, a da Figueira por exemplo, porque aquele filho era uma “barra” e merecia o esforço. O Zé Maria apesar de pobre, era também elegante, e isso foi-lhe um benefício na hora de escolher o seu par. Viu-o pela última vez da varanda da casa onde eu vivia. Eu estava quase a ir para a tropa e o Zé Maria disse-me que ia para Angola. E foi! Um dia a guerra matou-o e eu fiquei muito triste e zangado e nunca mais perdoei a esta pátria, que ainda não encontrou modos de sublinhar os seus melhores. Fico cansado quando recordo o Zé Diogo e o Zé Maria, mas escrevo porque quero que se saiba que estas elites só nos desrespeitam e continuam a ser a mesma merda de sempre.

segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

Intox




A comunicação social, como é sabido, está nas mãos de quem tem o poder económico. Assim, toda a informação, seja nacional seja internacional, é crivada, para aquele melhor controlar a opinião pública.
Disfarçadamente, como convém. Só que com o estado a que isto chegou, imposto por uma mistura explosiva de incompetência e ganância, vão perdendo o norte, são escândalos atrás de escândalos, até parece que a corrupção está institucionalizada. Só lhes começa a restar inventar casos a despropósito, sem a preocupação de apurarem o que é verdade ou mentira. Preocupação que também, diga-se, nunca a tiveram. Vale tudo, pelos vistos.
Um caso recente com o jornal de Belmiro de Azevedo, o conhecido “Sonae News” é paradigmático. Um dos seus funcionários, muito provavelmente terá juntado o útil ao agradável estando sem assunto e crer agradar ao patrão, teve a “imaginação” de afirmar que o PCP numa das suas muitas campanhas e acções políticas terá usado um slogan de Barack Obama. A frase em questão é utilizada pelo PCP desde, pelo menos 2002. Ora nesse ano nem qualquer funcionário de Belmiro de Azevedo terá ouvido sequer falar em Barack Obama nem este afro-americano sonhava certamente vir a ter possibilidades de ser candidato à Casa Branca.
Portanto, se alguém copiou terá sido o presidente Obama. E, se copiou o slogan, fez muito bem evidenciando o seu bom gosto. E, já agora, não seria má ideia copiar outras coisas. Sobretudo ideias. Ganhava ele, ganhávamos nós e… ganhava o mundo. Ou não?
Yes, we'd win.
Veja mais aqui.

domingo, 11 de janeiro de 2009

Histórias de mineiros (X)

Santa Bárbara – Padroeira dos mineiros
Augusto Alberto



Pingos grossos, varridos pelo vento agreste do mar, batiam no chão com vigor, constituindo um autêntico mar de água. Na falésia baixa, ali junto à boca da mina, o mar agitado e impelido pelo vento atirava-se contra a rocha com força, trazendo um som enorme que parecia que iria engolir a terra, ou simplesmente fendê-la, mostrando-lhe o ventre.
Tocado pelo vento, encolhido, com um samarrão coçado por cima da cabeça e dos ombros, um homem com as calças deixando ver as magras canelas, já que os pés grossos e fendidos vinham desguarnecidos e chapinhavam a água, em corrida ziguezagueante, apontava à mina.
Ofegante, parou por um tempo ligeiro na boca da mina para tomar ar, esperguir a água da chuva e enrolar o samarrão no braço. Abrigado do temporal e agora mais calmo, dirigiu-se ao nicho cavado na parede onde repousava a Santa Padroeira dos mineiros. Olhou um momento para a imagem, com a mão persignou-se e murmurou por entre os lábios uma oração. Pedia à santa sua Padroeira que a sorte o acompanhasse até ao fundo da mina, que corria por baixo do mar agora tão revoltado.
Esperou com os outros companheiros a descida.
Santa Bárbara, Padroeira dos mineiros desde tempos longínquos, repousava já dentro da mina em imagem pequena e de cândida beleza. Os mineiros devotavam-lhe uma fé e um enorme respeito. Essa fé acompanhava-os para os poços.
Uma imagem maior repousava na igreja de Buarcos, à falta de uma igreja próxima da mina.

Estava um 4 de Dezembro de uma beleza incomum para um dia de mês de Natal.
O céu limpo e de um sol com intensa luz, que não chegava para encalorar a tarde fria, constituía tempo ideal para a Festa da Padroeira dos mineiros.
Homens de figuras secas, espremidas pelo trabalho difícil, espalhavam-se pelo recinto vasto da festa, enquanto os miúdos saltavam e corriam doidos de alegria incontida.
Toda a família mineira vestia a sua melhor roupa. As mulheres enroladas no seu xaile, raramente usado e guardado por longos meses dentro da arca no meio de bolas de naftalina. Blusa nova que para aquela ocasião sempre se mandava fazer. No pé, chinela ou sandália nova e brilhante. Os miúdos, de camisolas e calças, já usadas, na maior parte de pés descalços, libertos para topadas que esfolavam ou punham em sangue os dedos dos pés.
Os homens orgulhosos: - era a sua festa!
A banda devidamente afinada e com os músicos em traje de gala marchava direita ao recinto. As pessoas prestavam atenção à banda e ficavam embaladas pela melodia da marcha. Os filhos corriam atrás da banda, em ar de marcha, com um riso gaiato. Era a felicidade em tempo de ingenuidade.
Ali ao lado, no amplo refeitório da Companhia ultimava-se a merenda para toda a gente, merenda que por tradição metia castanhas e água-pé. As mesas compridas dispostas topo a topo, cobertas com toalha lavada e recheadas de boas iguarias constituíam sempre momento apetecido para quem durante o ano enganou constantemente o estômago.
À hora prevista desenrolou-se a procissão, momento alto de esplendor religioso. Procissão grandiosa porque nela os mineiros depositavam o seu melhor.
Era um desfilar sucessivo de crianças devidamente vestidas à semelhança do santo preferido da família. Outros, os mais velhos, frequentadores da catequese, formando duas filas, seguravam grossas velas de cera. Mas o momento mais importante era o da passagem da Santa Padroeira.
Quatro mineiros calejados, transportavam o altar em movimento cadenciado e lento. Santa Bárbara, de belo vestido azul e de faces pálidas, congregava em si a fé e a esperança da multidão que à sua passagem se ajoelhava e benzia em respeitosa atitude.
A procissão percorreu vagarosamente a distância entre o seu ponto de início e a boca da mina. Aí, iniciou a descida ao primeiro poço. Viajou pelas galerias. Lento e seguro, o cortejo entranhou-se na humidade das paredes, por onde a água corria em abundância até ao chão, formando enormes charcos. O frio somava-se à humidade criando dificuldades às pessoas. O manto da Santa Padroeira tornou-se húmido, as faces das imagens tornaram-se frias e com maior brilho.
A marcha continuou em ida e volta pelo caminho diariamente tortuoso para os mineiros.
Estava cumprida com carinho e respeito a tarefa anual, suprema mesmo, dos mineiros.
Santa Bárbara regressava à Igreja que durante um ano a recolhia em repouso.
Terminada a procissão, a festa, lugar onde as mágoas e a dor de um ano eram esquecidas, retomava a sua marcha.
As castanhas e a água-pé ou o vinho novo, as iguarias e. a encerrar, o baile, constituíam momentos finais.
Amanhã era o regresso ao trabalho extenuante que quase constituía castigo imenso para os homens.

sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

... planuras imensas


foto: alex campos




Amo


Eu amo planuras imensas
E gestos de linguagem muda!
Amo silêncios intensos
Onde o ser, às vezes, se transmuda.
Amo-te, porque te amo,
Em definições extensas de dar
E sinto-te quando te chamo
Dentro de mim ao despertar!
*
Eu quero colinas e montes
Plenos de canduras viçosas!
Amo regatos e fontes,
Doces meios-dias,
Manhãs brumosas.
Quero intensos Verões
E frémitos escaldantes,
Doçuras de serões
Em noites aconchegantes.
Quero a tua voz poderosa
Sobre a minha rebeldia!
Amo a tensão amorosa
De um puro dia-a-dia!




Ana Tapadas




quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

8 de Janeiro, dia de manif


"Estamos precisamente a assegurarmo-nos de que outro palestiniano não quer lançar rockets sobre nós"

Cartoon do norte-americano Signe Wilkinson, vencedor do Prémio Pulitzer
retirado daqui

De Cuba com uma flor (Crónica em desalinho)

Augusto Alberto (texto e fotos)


A TV de um modo geral é fraquinha, mas de volta e meia lá se arranca alguma coisa de jeito. Um pouquinho, não se ganhem bons hábitos. E foi exactamente o que sucedeu com uma pequena peça que tratou de pessoas que no Brasil catam latas de cerveja, sumos e claro está, coca -cola, para depois de pisadas serem vendidas para a reciclagem. Ora aqui temos uma tarefa que baixa a taxa de desemprego, com certeza. Lá vinha um menino com 8/10 anos da praia de Copacabana, pé pelo chão, calção escuro e tronco ao vento, com o seu saco carregado com as latas. Com a crise, o quilo das latas baixara de 3 reais, para metade, 1,5 reais, disse o entrevistado. Que corte brutal! Conformado! Oh crise, que tão mal tratas o povo. Como é possível num País com imensas riquezas, petróleo inclusive, haver assim tanta gente deserdada? Lembro - me que em Portugal uma das profissões mais abjectas no tempo do fascismo, era o trabalho de andar à mala nas estações da C.P. Concluído o frete, a mão era estendida, quase que por caridade. Uma humilhação. Mas à lata… Em 1974 um velho militante comunista brasileiro confidenciou-me que o pior para o Povo, era o Brasil ganhar o campeonato do mundo de futebol. O Povo desligava em absoluto. Mas hoje, peço desculpa a esse meu velho camarada, para dizer, e vamos aqui esquecer o futebol, fado e Fátima, pese essa clara verdade, que aquela selecção Brasileira que em 1970 no México ganhou o campeonato do mundo, era uma pérola. Lembro-me de Pelé, admirável, Tostão, astuto, dois extremos iniguais, Rivelino à esquerda e Jairzinho à direita. Pelo meio, uma formiga, Clodoaldo, e não me lembro de mais. Essa equipa foi a melhor de todas quantas já vi e vingou o fracasso de 4 anos antes em Londres, de boa memória para o futebol português, que glorificou Eusébio e confirmou um fabuloso Vicente, que secou completamente Pelé, enquanto pode jogar, até ao momento em que Morais lhe deu em cheio e o atirou a mancar para a linha, quase sem se poder mexer. Mas antes, quero aqui recordar Matateu, irmão de Vicente, que foi do meu ponto de vista, o melhor jogador português de sempre, só que veio antes do tempo. Um negro magistral. Tivesse chegado agora...
O Brasil assim continua, mas não resisto a contar um diálogo apanhado na minha última viagem a Lisboa, no penúltimo dia do ano de 2008. Tive por companhia nos dois lugares ao lado, um senhor já pela meia-idade e uma jovem na casa dos 20. Falaram calmamente de viagens. Ele mai
s viajado, mas ambos com passagem por Havana e Varadero. Disse ele, que também tinha passado pelo Rio de Janeiro e ali por vezes teve medo, mas em Cuba, esteve sempre à vontade. Ela, que tinha chegado a Varadero poucos dias após um tufão, mas marcas, nem uma. Mas a grande confissão desta jovem, era a de não perceber como é que os cubanos com aquela sua moeda, adquiriam os produtos do dia a dia, e aonde, mas, contudo, estava espantada porque não viu meninos rotos, sujos, descalços, andrajosos e barriga redonda. Todos limpinhos nos seus trajes escolares. Ora aqui está. Comparemos então. Os cubanos apesar de pobres, por causa de um petróleo rasca, mas dignos, não andam à cata da lata e essa jovem com certeza não percebe como é que meninos em Cuba andam limpinhos e escorreitos e a segurança ser uma regra. Nem ela, nem muita outra boa gente. Então eu aconselho aos que não entendem esta coisas, que deverão, em primeiro, começar por expurgar as notícias, porque anda por aí gente má e má noticia. Quem sabe se não virão um dia, então, a perceber?
Estamos em data de comemorar os 50 anos do fim da Ilha dos Casinos. Resistência, que nem a política da Canhoneira dobrou. E a melhor homenagem a estes 50 anos, deu-a esta minha jovem companheira de viagem, sem saber. Um espanto!
Desejo terminar, registando uma pequena nota deixada por um antropólogo que há uma dúzia de anos atrás, estabeleceu o primeiro contacto com uma tribo, até então desconhecida, exactamente na Amazónia. Estava feliz com certeza, mas preocupado, e disse-o: - “no dia em que esta gente tiver o primeiro contacto com a Coca-Cola, caminhará para a perdição”. E eu digo o mesmo e já agora, também vos digo que gosto de futebol, mas ele acaba para mim logo no fim do jogo, porque o futebol não tem importância nenhuma.

quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

Eminências pardas

Eminência parda é um termo utilizado na política. Será mesmo já um termo político. Há na História muitos exemplos. Diz-se de eminência parda quando há um sujeito que não sendo o governante supremo, o rei por exemplo, é, contudo, a figura mais poderosa, a que domina os cenários nos bastidores, que influencia o “cabeça de cartaz”, exercendo seja poder militar, económico, religioso ou político.
Pode-se mesmo dizer que não há regime que não tenha a sua eminência parda. O socratismo, por exemplo, não é menos que outros e também a tem.
Para saber quem é basta clicar aqui.
E para ficar a saber que o famigerado “pardo” também já se meteu em concursos é precisamente aqui.

terça-feira, 6 de janeiro de 2009

José Saramago: Gaza e os vestígios de um deus rancoroso e feroz

Desde o dia 9 de Dezembro os caminhões da agência das Nações Unidas, carregados de alimentos, aguardam que o exército israelense lhes permita a entrada na faixa de Gaza, uma autorização uma vez mais negada ou que será retardada até ao último desespero e à última exasperação dos palestinos famintos. Nações Unidas? Unidas?

A sigla ONU, toda a gente o sabe, significa Organização das Nações Unidas, isto é, à luz da realidade, nada ou muito pouco. Que o digam os palestinos de Gaza a quem se lhes estão esgotando os alimentos, ou que se esgotaram já, porque assim o impôs o bloqueio israelense, decidido, pelos vistos, a condenar à fome as 750 mil pessoas ali registadas como refugiados. Nem pão têm já, a farinha acabou, e o azeite, as lentilhas e o açúcar vão pelo mesmo caminho.

Desde o dia 9 de dezembro os caminhões da agência das Nações Unidas, carregados de alimentos, aguardam que o exército israelense lhes permita a entrada na faixa de Gaza, uma autorização uma vez mais negada ou que será retardada até ao último desespero e à última exasperação dos palestinos famintos. Nações Unidas? Unidas? Contando com a cumplicidade ou a covardia internacional, Israel ri-se de recomendações, decisões e protestos, faz o que entende, quando o entende e como o entende.

Vai ao ponto de impedir a entrada de livros e instrumentos musicais como se se tratasse de produtos que iriam pôr em risco a segurança de Israel. Se o ridículo matasse não restaria de pé um único político ou um único soldado israelense, esses especialistas em crueldade, esses doutorados em desprezo que olham o mundo do alto da insolência que é a base da sua educação. Compreendemos melhor o deus bíblico quando conhecemos os seus seguidores. Jeová, ou Javé, ou como se lhe chame, é um deus rancoroso e feroz que os israelitas mantêm permanentemente atualizado.

Ataque nazi na Palestina: um grave problema para a Humanidade



Dia 8 de Janeiro, pelas 18h00, uma concentração convocada por várias organizações frente à embaixada de Israel.
A humanidade condena e tem de se levantar contra mais este acto terrorista perpetrado pelos nazis sionistas, que impunes contam com o apoio dos EUA e da União Europeia.
Estes últimos não conseguiram esconder as suas intenções, porquanto foram denunciados, ainda que inadvertidamente pelo checo, um tanto imberbe nestas questões, quando disse que o acto terrorista era uma estratégia defensiva.
A solidariedade com o povo palestiniano e a condenação de actos bárbaros dignos dos nazis é uma imposição à nossa condição de humanos e seres livres.
"O Herout, partido de Begin, é um reflexo dos aspectos mais destrutivos para a nossa época e para o Estado de Israel, recentemente criado.
É um partido que se assemelha muito aos partidos nazis e fascistas pela organização, filosofia e pela atracção que exerce sobre as massas".
Albert Einstein, Dezembro de 1948, em entrevista ao jornal "Newsweek Times"

domingo, 4 de janeiro de 2009

Histórias de mineiros (IX)

Propaganda de Delgado no ventre da mina

Augusto Alberto


O regime fascista estava a passar por uma grave provação. O movimento de opinião e de massas em volta da candidatura do General Humberto Delgado estava a pôr em causa o futuro desse regime podre e sanguinário.
Por todo o lado a candidatura do General se fazia sem medo, em confronto directo com as normas do sistema.
No fundo dos poços, à boca da mina, os homens discutiam, davam e recebiam novidades. A candidatura do General também ali tinha chegado e para os mineiros constituía uma esperança numa mudança de vida.
A propaganda chegava ao fundo da mina trazida voluntariamente por homens anónimos, alguns deles animadores da vida sindical local.
Estes últimos tinham motivos sobejamente fortes para quererem a mudança, daí a sua voluntária participação no amplo processo de massas em curso.
O seu sindicato, criado recentemente, constituía um longo processo de lutas e de insistências. Foi uma árdua luta contra a castração a que o regime votava tudo o que fosse pólo da organização partidária. Daí a sua redobrada consciência.
A formação de um sindicato honesto, e limpo de homens ligados ao fascismo, não era fácil. Sindicatos só aqueles que o fascismo muito bem queria e com quem muito bem queria. E a verdade é que a malha era tão apertada que muito difícil era passar por ela.

Edifício entre a Rua da República e a Rua Manuel Fernandes Tomás, onde, numa sala do 1º andar funcionou a sede de candidatura do General Delgado.


Diz-me um dos homens que foi dirigente que as peripécias foram muitas:
- “Era preciso enviar ao Instituto Nacional de Trabalho a lista com os nomes e outros dados dos dirigentes sindicais eleitos previamente em assembleia geral. Recebidos os dados, o Instituto recolhia informações suplementares junto das Juntas, da polícia local e da anterior residência dos mineiros. E a seguir ditava a sua lei como se compreenderá.
Nós vimos rejeitadas direcções sucessivas sem qualquer explicação. Era-nos enviada a lista com os nomes traçados a vermelho e com uma frase curta e seca: rejeitados os nomes propostos. Ficávamos sem saber os motivos que levavam à recusa e nem sequer tentávamos saber porquê. Mas tantas vezes insistimos com novos nomes, ou com a simples repetição de alguns, que um dia conseguimos a legalização.
Não era fácil exercer a actividade sindical nesse tempo, mas fazíamos o que podíamos. E mesmo pouco que fizéssemos, era já muito…”.
E assim, com uma consciência bem forte, homens anónimos carregavam os folhetos, listas, etc., desde a Comissão de Apoio à candidatura, a funcionar num edifício da Rua da República, até ao ventre da mina.
Também por estes lados o fascismo, à boca das urnas eleitorais, foi derrotado, mas também por estes lados recorreu à trafulhice para conseguir sobreviver e, mais do que isso, pôr fim durante um longo período às liberdades e ao voto secreto e universal.
Depois disso, com a vitória desleal forjada na pessoa do espantalho Tomás, o regime fascista ultrapassou tudo quanto antes tinha mostrado em repressão. A vida do pequeno Sindicato dos Mineiros do Distrito de Coimbra tornou-se mais difícil, mas resistiu como pôde.
Regularmente, as visitas da PIDE, a constante busca de dados sobre os seus dirigentes, não fez esmorecer os mineiros. Ao que parece, a sua pequena sede ainda se mantém no mesmo local, com toda a documentação, mas agora apenas como recordação histórica.

assassinos, nazis, filhos da ...

Claro que tenho andado preocupado e revoltado com o que a besta nazi israelita tem feito na Palestina.
Mas só para que a minha opinião não seja interpretada como sendo igualzinha à do palhaço Barack Obama, aqui vos deixo um link e um cartoon, de Fernando Campos, lá publicado.


sábado, 3 de janeiro de 2009

A fuga de Peniche

A 3 de Janeiro de 1960 ocorreu a célebre Fuga de Peniche.Pela sua superior organização; pelo facto de o Forte de Peniche ser a prisão de mais alta segurança do fascismo; por ter restituído à liberdade e à luta um valioso conjunto de quadros dirigentes do PCP, esta fuga espectacular constituiu um dos mais relevantes acontecimentos ocorridos durante a longa ditadura fascista.

Eis os nomes dos «10 de Peniche», como ficaram conhecidos:Álvaro Cunhal, Carlos Costa, Joaquim Gomes, Jaime Serra, Francisco Miguel, Guilherme Carvalho, Pedro Soares, Rogério de Carvalho, José Carlos e Francisco Martins Rodrigues, (que posteriormente abandonaria o PCP).

A Fuga só foi possível graças a um planeamento extremamente rigoroso e a uma coordenação perfeita entre as organizações do PCP no interior e no exterior do Forte. No interior, organizaram e dirigiram a Fuga, Álvaro Cunhal, Joaquim Gomes e Jaime Serra.No exterior, intervieram Pires Jorge, Dias Lourenço, Octávio Pato e o actor e militante comunista Rogério Paulo.

As consequências da Fuga de Peniche - quer no reforço interventivo, ideológico e político do PCP, quer na subsequente intensificação da luta antifascista - foram imediatas. Delas falarei aqui, no próximo post.

Crónicas em desalinho (IX)

Memorias do tempo da guerra e agora da paz
Augusto Alberto


Em 1971, depois de libertado da prisão militar da Trafaria, porquê? Porque dei milho aos pombos do jardim da minha terra e isso era proibido, tão simples, eh.eh, eh, fui colocado em engenharia no perímetro militar de Santa Margarida em trânsito para África. Fiz bastas mudanças de comboio na estação do Entroncamento. Não sei como, aparecia por lá com muita regularidade um alfarrabista. Simples vendedor de livros usados? Nunca o saberei. Mas a questão é que por ali comecei a enriquecer uma biblioteca que já tomou corpo e sobretudo a possibilidade de possuir livros, alguns difíceis para a época. Lembro-me de uma edição Brasileira, do A.B.C. de Castro Alves de Jorge Amado, raro, e para o caso desta escrita, uma colecção apelativa, das edições D. Quixote. Precisamente com essa colecção dei de caras pela primeira vez com a abordagem teórica e histórica da luta palestiniana. Já lá vão 38 anos e as mortes e destruição continuam. É já muito tempo.
Há três anos, num dos meus Campeonatos do Mundo, um jovem alto e espadaúdo, como convêm a um remador de nível, resolveu cumprimentar-me diariamente. Naturalmente não estava a perceber, logo a mim, com tamanho e belo sorriso, porquê? Haveria do ponto de vista do jovem razões, perguntei-me. Até que acabei por perceber. Estava grato aos muitos que nesta pátria sentem simpatia pela Palestina e não quis deixar de o registar. Por mim não se enganou. O jovem estava ali em representação da sua pátria, a Palestina, mas do ponto de vista desportivo, fiquei de boca aberta. Simplesmente não supunha a Palestina com um atleta num Campeonato do Mundo de uma modalidade como esta, que requer meios estruturais e naturais impossíveis de recriar em qualquer lugar, porque é preciso água, muita água, capaz de possibilitar um remo de 20/30 km numa tarde ou manhã, sem o mínimo de dificuldades e muita paz. Quis saber como. Disse-me que estudava em França para voltar mais tarde à sua Palestina e naquele momento, e muito bem, trazia a bandeira da sua pátria. Isto foi há três anos e de lá para cá, as mortes e destruição continuam a ser conta corrente.
Os países ocidentais nos escombros da segunda guerra mundial quiseram resolver um problema, disseram, mas como quase sempre, acabaram a criar mais problemas e monstruosidades. A Palestina é hoje uma chaga séria e aparentemente sem solução. Uma Pátria separada em dois, por um espaço ocupado por estranhos que lhes surripiaram os melhores terrenos. Murada, com betão bem levantado e cercado por valas bem largas. Sufocada, prisioneira em regime aberto. Miserável e aparentemente sem ver o futuro. Uma chaga! Aquilo não é um equívoco, é um momento histórico bem assumido por quem pode colocar a razão em seu lugar. Mas assim está bem, porque convêm.


Hoje, 2 de Janeiro 2009, vejo uma fotografia notável na imprensa. Um apartamento de habitação sem parede fronteira. Um horror e eu interrogo-me, como ficaria eu se a parede da minha casa desaparecesse e ficasse a ver sem barreiras o meu quintal e a cerca das galinhas? Provavelmente, apesar de tudo lá estar em seu sítio, não veria nada. E vocês?
Entretanto muita gente espera que o fantástico Barak Obama diga alguma coisa sobre a matéria. Até agora só silencio. De momento está em trasfega de meios, ao que diz a imprensa. Está a mudar-se para um hotel de onde verá deliciado e confortável, a queda da branca neve, se for caso disso, mas sobretudo, as luzes suaves e imperiais da casa branca e dará inicio então a um caso de amor.
Na Palestina, famílias em casas esventradas, apesar de ouvidos e olhos abertos, já nem os destroços vêem. Vêem isso sim, de momento, o nada. Mas isto vai ter um fim. Só poderá, quando os países ricos se libertarem em definitivo, ou quase, do maldito petróleo. Então estas monarquias árabes, corruptas, imorais e incapazes de respostas certas e a horas, ruirão como castelos feitos de areia molhada da praia e o grande porta-aviões montado na Palestina, para açoitar, deixará então de deixar de ter a importância de hoje. Tudo mudará por fim, com certeza. Haverá solução, mas vai durar muito. Quantas mais mortes?
Mas de momento, o silêncio do grande Obama não é bom prenúncio. Ai isso não. Preparemo-nos porque o amanhã será mais do mesmo, até um dia.