domingo, 30 de novembro de 2008

Histórias de mineiros (IV)

Augusto Alberto

A mesa de madeira simples, repleta de uma família numerosa, eram a única riqueza do mineiro. Os seus filhos esquálidos e com nítidos sintomas de subnutrição; barrigas ovalizadas, por uma alimentação carenciada de elementos fundamentais. Encostados lado a lado, irrequietos na sua fome crónica, com ar de meninos que nunca foram meninos; rotos, pés descalços, cabelos desgrenhados, com chagas maltratadas, lá estavam esperando o prato magro.
Eram quadros comuns e constantes: para o mineiro, dramáticos.
O mineiro abastecia-se quinzenalmente na “cooperativa” da companhia.
Trazia pouco, que o vencimento era curto e nem sequer dava para esticar um poquinho que fosse.
De cada vez que se abastecia era-lhe dado uma senha ficando a outra na “cooperativa”. E quinzenalmente, quando do vencimento, as contas com a “cooperativa” eram saldadas logo no escritório da companhia.
Saldadas as contas, pouco restava ao mineiro. Na maior parte das vezes nem tostão recebia, o mesmo que dizer que continuava o deficit com a “cooperativa”. Deficit que se prolongava para muitos. Ficavam como devedores quase vitalícios.
Mas a história não se ficava por aqui. Havia também o gamanço. “A gente não via as contas. Éramos roubados sem piedade. Íamos para a tasca e nem um copo de vinho podíamos pagar a um amigo, tal era a miséria – recorda em tom amargurado o mineiro.
Era a dependência total. A companhia decidia da vida.
O vencimento limitava os gastos e os gastos limitavam o convívio social. Um convívio social qualitativamente pobre, feito de conversas de tasca, com os corpos encostados ao balcão ou de cotovelos cravados no tampo de madeira suja e com odor a vinho.
Depois havia a providência social.
O mineiro acidentado ou muito doente, mas só mesmo muito acidentado ou muito doente, baixava ao hospital ou à sua cama.
Nos primeiros três dias o mineiro nada recebia e daí em diante passava então a vencer uma quantia muito reduzida.
O mineiro e a companheira percebiam que naquele momento se abatia sobre a família maior desgraça, maior fome.
Havia então a retracção na compra de produtos na “cooperativa”.
Os armários simples e vazios, de uma nudez empoeirada e enegrecida eram bem a imagem da fome constante.
A companheira era assediada pelos filhos de estômagos doridos. Pouco tinha para lhes dar: côdea magra e negra. Para o companheiro, magro e de olhos encrustados na face, a impotência patente em o contentar com uma refeição de que ele bem necessitava.
Era assim a vida madrasta do mineiro.

sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Campeonato do Mundo de Natação para Atletas com Síndrome de Down


Decorrerá entre os dias 29 de Novembro e 3 de Dezembro em Albufeira o Campeonato do Mundo de Natação para Atletas com Síndrome de Down.
Organizado pela Associação Nacional de Desporto para a Deficiência Intelectual e pela Federação Internacional de Natação para a Síndrome de Down em parceria com a Câmara Municipal de Albufeira, o Campeonato irá contar com a presença recorde de 206 atletas provenientes de 24 países de todo o Mundo. Portugal estará presente com 18 nadadores.
Outra demonstração que no desporto há lugar para todos.
Uma vez mais a comunicação social não dá o devido relevo a uma prova desta natureza. Sempre é um Campeonato do Mundo! Boas provas para todos.

EP


(post copiado, com a devida vénia, do Zás Trás! o blogue do Ginásio Clube Figueirense)

A bifurcação invertida


Uma bifurcação é um ponto de divisão em dois ramais. Bem, isto é o que dizia o dicionário, e que continuará a dizer, pelo menos disso estou convencido, mesmo após o tal dito e famigerado acordo ortográfico.
O que me fez lembrar uma bifurcação invertida foi a discussão, propostas e contrapopostas do Plano de Urbanização da Figueira da Foz.
Estão dois partidos, irmãos e muito parecidos, um no poder e outro na oposição. Na oposição é como quem diz, à espera de uma oportunidade para ir para lá, para o poder. Este, a propósito do dito Plano de Urbanização faz sugestões e vai dizendo que se não forem aceites que chumba o plano. Até aqui tudo bem. Só que acrescenta que há “coisas” negociáveis. Imagino quais. Num determinado terreno qual a diferença de se não poder construir 8 andares e ficar permitido só 5? Falamos de um terreno onde nem sequer de deveria colocar a hipótese de construção. Não sei se o que é negociável será uma questão deste género, estou a especular como é evidente, mas tudo me leva a crer que sim, pois escoro-me no historial do dito partido que está na oposição.
Daí a inversão da bifurcação: há dois caminhos que se encontram num só. Qual?
Então quem é que fica a ganhar com o Plano de Urbanização, seja lá qual for?
O pato-bravismo, pois então.

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Tásplicado!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!


A pressa com que Cavaco veio dizer, sem ninguém lhe perguntar nada e que deixou meio mundo espantado, que estava inocente, afinal tinha mesmo razão de ser. Os espantados que sosseguem, o homem sabia o que estava a fazer.
Biba a banca!!!!!

terça-feira, 25 de novembro de 2008

domingo, 23 de novembro de 2008

Histórias de mineiros (III)

Augusto Alberto


Ser mineiro era duro já porque o esforço produzido era esgotante, mas mais duro se tornava porque um homem era obrigado a respirar horas a fio num ambiente saturado de um pó fino e negro que se desprendia do carvão e que com o tempo se depositava nos pulmões.
E lá no fundo o mineiro suado batia na rocha e com esforço respirava. Alguns deles, já com os pulmões atulhados de pó, continuavam batendo. Sufocavam. E num esforço enorme e bárbaro engoliam ar e pó.
E a picareta batia forte, cadenciada. O peito dorido arfava na ânsia de recolher o ar que alimentasse a vida. E de novo o pó amassado com o ar e a humidade corria até aos pulmões. De instantes a instantes era a tosse, ruído grave e cavado. Era a dor aguda no peito que não se escoava. E depois era o escarro, bola negra atirada ao chão ou colada na parede.
E as mãos segurando a cabeça, ou tentando amaciar o peito na procura vã de um alívio, a água choca bebida num trago na ânsia de ser bálsamo momentâneo.
Mas ciclicamente, em tempo curto, lá vinha o arfar, a tosse, o escarro e a dor no peito.
E o mineiro não parava num trabalho esforçado.
As horas passavam lentas e difíceis. Foram dias, semanas, meses e anos assim, num cansaço desumano. O corpo mirrava em velocidade acentuada, até que um dia a dor era tão cortante e as forças se esvaíam de tal forma que o homem já não podia mais descer à mina.
Acabada a mina chegava a humilhação, porque o sofrimento continua até ao dia final.
E o mineiro aparece a falar da humilhação de um forma simples e fria:
“Em 1965 fui reformado e obtive um subsídio, pelo pó, de 120$00 por mês. Durou o subsídio até 1968. Por esse tempo a companhia mandou-me a Lisboa para fazer exame. Lá fui. Apanhei um médico grosseiro e mau. Fez-me soprar uma quantidade de vezes para um aparelho. Estava a ver que não saía de lá. Estava cansadíssimo, já nem forças tinha para respirar.
Depois, passados uns dias, fui chamado à companhia.

E, ironicamente, prossegue o mineiro: - ia passar a ser mais rico. Passaram-me o subsídio de 120$00 para 110$00 por mês…
Mas, com ironia ou sem ela, a realidade é bem mais funda.
A ganância do lucro, o desrespeito pelo homem que durante anos e anos trabalhou como uma toupeira no fundo da mina para fazer a fortuna de uns tantos senhores, não merecia mais. Dez escudos ao mineiro, por mês, não faziam falta, mas à companhia, aí é que faziam falta! Ao que parece o pobre era a companhia e o rico o mineiro…
Esta é a parte humilhante de uma outra coisa dramática, a silicose. O mineiro tem a consciência disso e continua a sua história:
- Após o “25 de Abril” decidi ir ao Tribunal de Trabalho. Mandaram-me fazer novos exames. Passado um mês, recebi uma circular para ir a uma Junta médica. Lá fui e um dos médicos disse-me: - coma e beba que o senhor está arrumado. O senhor tem pó na percentagem de 100%. É o máximo que lhe poderemos dar.
Pouco tempo mais tarde, em nova circular, fui informado que o subsídio tinha subido de 110$00 por mês para 2800$00 mensais. Hoje recebo 3000$00.

O mineiro chorou de raiva. Percebeu como tinha sido roubado.
Nem o médico nem a companhia que ao médico deveria pagar grossas luvas tiveram escrúpulos em roubar de forma tão humilhante quem tão duramente trabalhou.
E se alguma dúvida existir acerca do humanismo de tal gente e do fascismo que os serviu, aqui fica mais um exemplo entre tantos outros.
Foi o”25 de Abril” libertador que veio repor, pelo menos dar um sentido mais humano, a uma situação tão humilhante e dramática. E o mineiro não esquece isso. Ele está por dentro do tempo.


Nem eu esqueço o motor, trabalho contínuo, que o mineiro possui bem no peito. É a sua silicose. O pó agarrado às paredes dos pulmões, assim como a lapa agarrada à sua pedra.

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Um marco só cretino


Afinal o homem que disse ir criar 150.000 empregos arrisca-se a ficar na história como o primeiro-ministro que mais desemprego e mais emprego precário criou, bem como aquele que menos condições de vida proporcionou com a sua governação.
Está assim confirmado o que toda a gente sabia. E revelado um segredo de Polichinelo. Que a promessa da criação dos tais muitos mil empregos não passava de tanga, o próprio estava consciente, tanto que este tipo de organização social, a capitalista, não resistiria sem desemprego, pelo que, como toda a gente sabe ou devia saber, o dito é necessário como pão para a boca à sua própria sobrevivência. Mas mesmo assim levou no engodo muitos e muitos eleitores.
São dados recentes do Instituto Nacional de Estatística, segundo o qual o desemprego se cifra em 7,7% da população activa, no terceiro trimestre do ano em curso. O número de desempregados neste momento é de 433,7 mil pessoas. Não contando para o rol, as pessoas em situação de precariedade, sub-emprego ou as que estão matriculadas em cursos de formação.

Havana, algures no Museu da Revolução


Foto: Augusto alberto

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

terça-feira, 18 de novembro de 2008

Sócrates perto de Marx


Parece mentira, mas é a mais pura das verdades. Ninguém diria, pois não? Até parece anedota... e se calhar, é mesmo.

domingo, 16 de novembro de 2008

"Histórias de mineiros" (II)

Augusto Alberto


Chamavam-lhes Malteses. Vinham do norte, das bandas do Porto e Braga, que os meios para viver por lá eram escassos. Mas também havia os serranos. Esses eram os melhores nas galerias húmidas e negras do carvão. Entravam por um poço na parte de cima da mina, em plena serra.
Os do Norte viviam num barracão colectivo. Ali dormiam, em cima de uma tarimba ou de colchão enchido com folhas de árvores colhidas na floresta. Ali comiam o que cada um sabia e podia pobremente confeccionar; que o mineiro nunca soube o que foram mimos, disse-o o mineiro: nasceu pobre, menino de pé descalço e roto. Em adolescente e adulto, trabalho duro. Sempre.
O tempo era passado a jogar as cartas ou conversando, que divertimentos não os havia.
A família, essa estava lá longe, na terra, e raramente era visitada. Ver a família era por altura de festas grandes, pela Páscoa e Natal e pouco mais. É que a viagem era longa e dinheiro não o havia.
Era uma separação cruel. Eram longos meses de separação forçada. Separação que só mais tarde teve o seu fim com a construção do Bairro de Santa Bárbara. Um bairro de casinhas pobres,
típico do fascismo, em seu entender, como convinha para mineiros.
Quem o fez talvez tivesse pensado que sempre era um pouquinho melhor do que as casas lá das suas terras ou de que viver em camaratas colectivas. É bem possível, mas só que o mineiro não necessitava de esmolas, mas que o reconhecessem como homem, que pelo seu duro trabalho mais cuidados haveria de merecer.
Logo pela manhã o mineiro ia da superfície ao fundo da mina. Ia 750 metros ao poço mais fundo.
Chamavam-lhe o “poço juda”.
Primeiro descia o encarregado com uma lanterna especial, para ver se havia na galeria “gás”. É que se houvesse “gás” o mineiro não trabalhava, porque havia perigo de explosão. Mas, às vezes, apesar deste cuidado preliminar, o mineiro era apanhado pelo “mazuque” ou pelo “grizú” e então era a explosão inevitável. E da explosão quase sempre resultava a morte na mina.
É difícil imaginar a descida dos mineiros ao poço fundo, para o comum dos homens que giram à superfície.
O mineiro, esse tinha que descer em busca do carvão.
Numa primeira fase, enquanto a técnica não chegou, eram mulas que com a sua força muscular faziam andar a vagonas com o carvão e com os homens, nas profundezas da mina.
Para os animais era também um esforço bruto. Esforço tamanho que também eles, os animais, rebentavam.
Muitas vezes, perto da exaustão, diz o mineiro: - “levavam um tiro que lhes acabava com o martírio”.
Lá em baixo, na galeria estreita, homem e vagona, num bailado comum, iam alargando a exploração.
- Às vezes o homem era apanhado pela vagona. E alguns morreram – continuou o mineiro. Outros ficaram inutilizados para o resto da vida. Mas apesar de vermos essas cenas tínhamos de descer. No outro dia lá estávamos. Era a vida. Vida muito dura, que era assim que um homem tinha de a ganhar.

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

Afinal ele é genial


Confesso que nunca suspeitei que estamos a ser governados por um génio. E precoce, além do mais. Confesso ainda ser nitidamente pura distração minha, pois as suspeitas já teriam razão de ser, bastando para isso ter reparado no excelente estado em que está o país e nas inexistentes convulsões sociais.
A prova, aqui.

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

Ainda do mérito desportivo

Quando escrevi esta crónica e propus o que propus, considerei a possibilidade de o meu amigo Augusto Alberto levar a mal. Não aconteceu, mas se acontecesse eu continuaria convicto do que assinei e continuaria a assinar o que assinei. Porque, penso, é um caso de justiça.
Mas Augusto Alberto não deixou de reagir e pede-me que publique a sua reacção. Aqui vai ela:

O meu amigo Alexandre foi muito simpático ao destacar a minha longa actividade desportiva. Os meus agradecimentos por ser de quem veio. Contudo, não quero deixar no tempo qualquer dúvida e por isso mesmo é meu desejo acabar aqui com o assunto, por três ordens de razões.
Em primeiro, o que ao longo de cerca de 40 anos fiz, foi feito de plena consciência. O que tinha de ser feito em cada momento, teve de ser feito e nada mais. Nunca foi minha intenção fazer, para que aos 60 anos alguém me viesse agraciar. Assunto arrumado por aqui.
Segunda, tenho do poder autárquico da minha terra má nota e impressão há muitos anos. E agora ao que parece, há razões para ter muito mais, porque alguns não se livram da dúvida moral. Também por aqui assunto fechado.
Terceiro, o poder autárquico desta minha cidade tem dado bastas vezes à actividade física e desportiva, uma atenção pouco mais do que zero. E quando se mostra, muitas das vezes é mais por razões folclóricas do que por uma acção justa e sequente. Nesta matéria sei do que falo. Portanto, por aqui também estamos falados.
É meu desejo como se pode verificar, acabar com uma nota de simpatia para com o meu amigo Chana, pela preocupação, mas também encerrar em definitivo o assunto. Nada demais.




Augusto Alberto

OVOS

Por terem um elevado índice de colesterol não é motivo para deixar de comer ovos.
Podem-se, além de se chamarem zigotos, comer escalfados, estrelados, mexidos ou mesmo cozidos. Ou numa omolete ou numa tortilha espanhola, aliás esta última muito apreciada pelo detective Pepe Carvalho e por mim próprio.
E, além disso, como se teve oportunidade de comprovar, in loco ou na tv, ou mesmo ouvir via telefonia, podem ter outras utilidades.
E pronto.
Ah, lá ia cometendo uma gafe. Falta acrescentar que na Páscoa os há de chocolate, e, por sinal, bastante saborosos.
Bom apetite!!!!!

terça-feira, 11 de novembro de 2008

A mudança obamiana

A mudança tão esperada como anunciada, não fora a virtualidade que comporta em si mesma passaria por contornos menos dignos. A primeira cena está já em palco: Uribe pede a Obama manutenção da política americana para a Colômbia.
O blog Capitão Merda tratou já de traduzir: “Uribe pede aos Estados Unidos que continuem a dirigir a Colômbia”.
Em nome da tão propalada mudança Obama deixará cair um dos mais fiéis lacaios dos américas? Não seria a primeira vez...
São cenas do próximo capítulo.

domingo, 9 de novembro de 2008

"Histórias de mineiros" (I)

Augusto Alberto
Vai "Barca Nova" dar início à publicação de uma série de histórias de mineiros.
Histórias recolhidas no contacto directo com os homens que no fundo da mina sofreram uma vida tormentosa.
São homens de idade avançada, muitos deles já partiram deste mundo, que lhes foi de canseiras e lutas. De pele, hábitos e movimentos rudes, que o constante bater da picareta na pedra assim os moldou.
São histórias amargas, de uma dureza de imagens que em nós reflectem um dado tempo que desejaríamos fosse abolido de vez da nossa terra, e que devem servir de reflexão aos mais jovens, que são os que ainda não as conhecem, de recordação aos que já as ouviram e aos que as fizeram como seus directos intervenientes.

Quem subir a estrada alcatroada, sinuosa, que se empina desde o Teimoso, fica decerto a mastigar docemente o mar de tons azulados lá por baixo, a língua de areia que se estreita até aos molhes curvando em Buarcos, a rocha negra que em maré vazia ocupa dezenas de pescadores desportivos ou a dada altura vislumbra num recôndito imenso a velha fábrica de cal. Mas não imagina que mesmo ali, ao lado da velha fábrica de cal, se encontra uma mina de carvão que hoje as águas do mar alagam. Há quem diga que se haveria de tentar ver a sua rendibilidade e que talvez se justificasse a sua reabertura. Mas isso é conversa de técnicos e para técnicos. Aqui para nós, interessa-nos são as histórias de mineiros que falam de suor e dor, de trabalho, de fome e até de uma greve.
Hás dias dizia-me um velho mineiro, meio em confidência, que o preocupava a sua doença. Isto porque nos últimos tempos velhos mineiros têm partido para o descanso eterno com tromboses repentinas e ele tem de estar à tabela porque à família numerosa ainda faz falta.
Disse-lhe que pensava correcto.
É que, dizia-me ele: aquela mina puxou muito por um homem. Havia buraquitos em que um homem andava somente com as ceroulas e a picareta, completamente deitado, e ao fim de 5 minutos era de vir para fora para tomar ar que lá dentro era de rebentar.
- Tinha de tirar as ceroulas tantas vezes quantas as vezes que vinha recuperar fôlego, espremê-las até ficarem mais enxutas. O suor, esse caía em bica. De novo voltava ao buraco, de novo vinha tomar fôlego e de novo espremia as ceroulas que de tão húmidas e retorcidas, conjuntamente com o pó de carvão, rompiam a pele e punham a carne em ferida pungente.
Compreendi que tais movimentos se apresentavam quase como um ritual para o mineiro e tentei imaginar esses quadros de sofrimento e de dor. Disse mesmo para comigo que bem feliz era ao pé deste homem por nunca ter saboreado tal dor.
Naquele momento, nada poderia dizer ao velho mineiro, a não ser dar-lhe a minha maior atenção. Permaneci mudo.
E ele continuou.
- Era preciso a gente lá ir. Era um sofrimento bem fundo, mas quê! Era preciso tirar a pedra negra. Quanto mais melhor. Era sempre de esgalha. A empreitada tinha de dar mais alguns tostões. É que a família esperava pelo dinheirito.
Fiquei mais uma vez a saber quanto a exploração feroz obrigava a trabalhar duro. É que a família vivia do ordenado do mineiro. O seu suor, a água escorrida das suas ceroulas era o pão magro e doloroso que haveria em cada dia de manter em pé o mineiro e os seus.
Era preciso que ele acordasse a cada manhã. Que voltasse ao fundo da mina de picareta em punho, com as ceroulas enxutas, daí a uns instantes completamente alagadas. Era preciso, porque a iniciativa privada mais retrógrada necessitava da sua força, dos seus braços, das suas pernas, dos seus nervos, para que o carvão não faltasse. Para que os seus cofres, as suas contas bancárias, o seu luxo, as suas noites de casino, fossem sempre uma constante.
Ao mineiro, esse que se lixasse. Bastava que lhe chegasse para um pedaço de broa, toucinho e para a pinga.
Que importava se tinha mulher e filhos. Um dia também haveriam de ser mineiros.

A grande indignação





Temo que não seja exactamente assim. 120.000 é muita gente. Gostava de saber quantos deles, para o ano, irão dar o voto ao padrasto do magalhães e mandar a indignação para as malvas. Para quem já viu um porco andar de bicicleta não haverá mais nada que o admire.

sábado, 8 de novembro de 2008

Reflexões em mim maior (croniqueta de fim-de-semana)

Foi uma semana em cheio.
Depois dos trabalhadores terem sido ameaçados de trucidação, a cereja no topo do bolo. Com a aprovação do famigerado código de trabalho, onde se perdem mais direitos, mais regalias, mais poder de compra, enfim perde-se qualidade de vida, o que quer dizer que há um retrocesso no que às políticas sociais diz respeito. Quer dizer, estamos a andar para trás.
A Obamamania atinge o seu ponto fulcral com a eleição de um afro-americano para a presidência do planeta. Confesso que não entendi nem entendo todo este frenesim que se gerou à volta do evento, até dá a impressão que nunca tivemos um presidente. Ora essa, este já é o quadragésimo qualquer coisa. Só se for por ser “negro”, mas também não estou em crer, a maioria da população da África Negra é negra, e aquilo está no estado em que está, não vislumbro frenesim nenhum para mudar aquilo.
Continuemos. Houve também uma jornada de luta dos estudantes, o que, pelo menos nas escolas que tenho conhecimento passou quase completamente ao lado. Começa-se cedo a enfileirar no rebanho. A carneirada vai engrossando.
Para acabar a semanada, uma manifestação de professores, na capital do ex-império, na qual se espera uns cem mil. Dos chamados titulares é que aparecerão poucos, porque isto de solidariedade tem muito que se lhe diga. O PS conseguiu "homogeneizar" a classe, agora há duas, os titulares e os outros. Já há uns meses se juntou por lá também esse número, o que não faço ideia é o que é que ganharam com isso, a não ser dar nas vistas.
Seria muito mais consequente uma marcação de uma greve para o mesmo dia de luta dos estudantes, mas deve haver aí um qualquer erro de estratégia. Até porque era uma acção pedagógica, ensinavam-se os fedelhos a lutarem pelos seus direitos e a não serem carneirinhos. Nesse dia terão marcado falta aos estudantes que faltaram, agora manifestam o seu descontentamento. É obra sim senhor. Mas estou com a sua luta, não concordo é com estratégias inoperantes.
Lembro-me de um acontecimento, em Itália, na ascensão do Fascismo. Uma reunião da oposição para estudarem a melhor maneira de o derrubar. Um dos mais brilhantes pensadores marxistas, após Lenine, António Gramsci, líder do PCI, levou a proposta do seu partido. A única forma de derrubar o fascismo era uma greve geral. Que não, não podia ser. O PS, o PDC e outros “democratas” não aceitaram. Depois foi o que se viu.
Mas a semana, longa, longa, não acaba sem um Sporting-F. C. Porto.
Alguém disse, não sei quem, que a classe média é a mais estúpida delas todas. Temo que a minha (estou-me a referir a todos os trabalhadores, não sou professor) não se ficará atrás.

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

As minas do Cabo Mondego e as "Histórias de mineiros"

São relatos pungentes estas onze “histórias de mineiros”, arrancadas a depoimentos dos próprios homens que conviveram com o sofrimento, a dor, as agruras e amarguras de um trabalho tornado mais duro ainda pela exploração sem escrúpulos, no tempo do fascismo. Dos homens que viram soterrados com esse sofrimento, essa dor, essas agruras e amarguras, qualquer sonho, qualquer ambição de uma vida condigna. Enfim, “homens que nunca foram meninos”.
Claro que eram outros tempos. Publicadas em 1980, no semanário “Barca Nova”, falam-nos de um tempo que, não o querendo de volta, é importante não o esquecermos. Um documento importante este conjunto de reportagens em que Augusto Alberto, ao emprestar-lhes um cunho literário aproxima-se muito de uma das mais importantes correntes literárias do século XX, o neo-realismo.
É o retrato da realidade social de uma época cuja importância em recordar se torna ainda mais urgente porque vivemos numa outra em que tudo se faz para branquear a ditadura que vigorou durante 48 anos neste pequeno país. Urge também estarmos atentos para que não haja um retorno.
Ao Augusto Alberto o meu muito obrigado por ter anuído à sua republicação. Aqui estarão, aos domingos.
Depois desta balada na voz de Graeme Allwright, passo a palavra ao Augusto Alberto.




O meu amigo Alexandre colocou-me mais um desafio e como é de esperar de um amigo, sendo sério o desafio, aceitei com todo o gosto. O de republicar um conjunto de 11 histórias, publicadas há mais de 28 anos, 1980, num projecto sério e meio quixotesco, por isso fresco e alegre, como são sempre projectos deste tipo, mas que tem um fim sempre ali adiante, num mundo como este, na procura dos novos escravos, saibamos. Falo do Barca Nova, que parece ainda revolver as entranhas a gente hoje rara e civilizada, que eu conheço e que também por ali passou. E se me é permitido, a elegância e o difícil da coisa é o de vestir sempre o fato do mesmo lado. Porque quando se resolve vestir o mesmo fato mostrando, agora, o forro para fora, então, então a isso eu digo que falta estaleca para estar de espinha direita, porque o mundo não andou para adiante, antes pelo contrário, recuou e essa gente ajeitou-se. Se dá jeito agora mostrar o forro do casaco, com o desafio entendi que republicar as crónicas a que dei na altura o nome escorreito e singelo de “Histórias de mineiros”, me pareceu também, ao cabo de anos, dar jeito, para que gente que faz bem em caminhar, correr ou ciclar, naquele lugar hoje muito visitado, saiba que por ali também gente, pelo menos há meio século, sofreu e amargou para viver. Que houve ali uma mina e uma mina é sempre lugar de canseira para quem desce e mais naquele tempo doloroso de polícia, com farda ou à paisana, de gente retorcida, porque um tostão era um tostão arrancado à sua fortuna fabulosa e um copo de vinho sempre era bálsamo para as dores. Nada muda nas crónicas, recolhidas à oralidade do mineiro. Dos mineiros não resta um único. Que tenham agora a paz porque em vida rolaram tal e qual as pedras de carvão arrancadas a pulso e bagas de suor. Das pequenas casas do bairro, pouco resta do desenho inicial. Filhos e netos acomodaram-se e trataram de as adaptar do modo possível. Resta a Santa num nicho e uma placa, dulcíssima, lá no cimo da serra, numa das entradas, em lugar ventoso e belo, que diz "Couto mineiro do Cabo Mondego".
Repito, o meu maior agradecimento ao meu amigo Chana.

Augusto Alberto

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

O planeta já tem presidente

foto: A.A.

"Estamos em 63 depois de Hiroshima. Todo o planeta foi ocupado pelo Império… Todo? Não! Um continente povoado por irredutíveis humanos resiste ao invasor. E a vida não é fácil para a gula imperialista e sanguinária nos países fortificados da América do Sul…"

Do mérito desportivo e do reconhecimento

Longe de mim por em questão a atribuição a quem quer que seja pela Câmara Municipal da Medalha de Mérito Desportivo e do Diploma de Reconhecimento.
São critérios, que sempre têm um toque de subjectividade perfeitamente normal e que se têm de aceitar e respeitar.
Parece-me, no entanto, e não quero deixar de o dizer, estes critérios muitas vezes pecarem por omissão.
Será este caso, embora muito possivelmente poderei dar a impressão de estar a puxar a brasa à minha sardinha, uma vez que Augusto Alberto é meu amigo pessoal. Mas acontece que dificilmente se poderá negar que é um dos maiores nomes do desporto figueirense nos últimos 30 anos. Os desportistas que com ele dividem esse pódio, segundo o meu critério, que também corre riscos, ainda estão em actividade como atletas.
Augusto Alberto tem um curriculum como desportista, onde se tem de atender a várias facetas, atleta, treinador, organizador e formador de jovens, que arrisco mesmo a considerar inigualável.
Curriculum vasto, seria entediante aqui colocá-lo, mas sempre é melhor recordar alguns factos relevantes, pelo menos entre os que tenho conhecimento. Os lapsos, que os terei certamente, serão por desconhecimento. Aí vai:
Na Associação Naval 1º de Maio reorganizou a secção de Remo, que estava moribunda, e formou o atleta Manuel Parreira, finalista do Campeonato do Mundo Júnior em Barcelona 1991. Dessa reorganização resultou o actual Centro Náutico do Clube. Luciana Alçada, utilizou os melhores meios à data criados no clube e foi também finalista do Campeonato do Mundo também em 1991, na Austrália, em doublle-skull. No Ginásio Clube Figueirense, como resultado da sua actividade recebeu o Diploma de Sócio de Mérito e está ligado, como treinador e atleta ao maior feito do Remo figueirense: a única vitória até à data de um Shell8+ sénior num campeonato nacional, em 115 anos de remo figueirense.
Para além de contar com dezenas de títulos nacionais em todos os escalões, em regatas internacionais os seus atletas somam várias medalhas de ouro, prata e bronze. Pertence aos quadros da Federação Portuguesa de Remo, onde já treinou a selecção A, que dirigiu em dois Campeonatos do Mundo e a Sub-23, que também dirigiu em três Campeonatos do Mundo. De momento é o responsável pelo remo, integrado no Projecto Paraolímpico, Londres’2012. Esteve recentemente nos Jogos Paraolímpicos de Pequim, tendo a sua atleta disputado a final B.
A componente social é importante em Augusto Alberto treinador: um dos factos de que se orgulha é que todos os constituintes de uma das suas tripulações de shell8+, campeã nacional nas classes de formação, Júnior, têm hoje, todos, formação superior.
No atletismo, como atleta não terá tido uma muito grande expressão, mesmo assim foi campeão distrital com a camisola do GR Vilaverdense nos 10.000 metros e nos 30 kms de estrada. Participou na criação da Associação Distrital de Atletismo do Distrito de Nampula e foi membro dos seus primeiros corpos sociais. Representou o Sporting local. Em Nampula, teve como tarefa mais relevante a construção da actual pista de atletismo da cidade de Nampula, inexistente à época. Foi também co-fundador da actual Associação Remo Beira-Litoral.
O pouco que aqui resumi é obra. Não tem nada, mesmo nada a ver com o ganhar um vice-título europeu numa brincadeira universitária de futebol de 5. Só porque não existe desporto universitário. Pelo menos nunca o vi.

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

Regresso aos bons velhos tempos?

Depois de mais de trinta anos a andar à ré era caso para nos congratularmos com a nacionalização da banca. Não fora esta nacionalização do BPN mais uma manobra dos abutres, pois o referido banco vai ser recuperado com dinheiros públicos, isto é, dos contribuintes, para, no fim, ser novamente entregue a “quem de direito”. Porque esta procissão anda vai no adro e já apareceram aves de rapina interessados na sua aquisição. E o que é que motivou a sua nacionalização? Claro, fraudes, afinal o desporto mais praticado por quem tem o poder económico. Ironia das ironias, quando tudo está bem e há muito que sugar, não é necessário Estado, o Estado só estorva. Quando é para lhes dar a mão e proporcionar-lhes condições para continuar a sugar, então viva o Estado.
Mas que nos lembramos do General Vasco Gonçalves, lá isso é verdade. Era o caminho, mas enfim.
Quando entenderemos isto de uma vez por todas?

Quando é que se percebe de uma vez por todas, que temos de escorraçar estas sanguessugas e os políticos que trabalham para eles?

sábado, 1 de novembro de 2008

Steven Redgrave



Considerado o maior atleta olímpico do Reino Unido, Steve Redgrave foi um dos 4 atletas que conquistaram medalhas olímpicas em 5 edições dos jogos. Com efeito, Sir Steven Redgrave chegou ao ouro em 1984, 1988, 1992, 1996 e 2000, tendo em 1988, em Seul, obtido também uma de bronze.
Nos mundiais, entre 1986 e 1999, totalizou 12 medalhas, desigualmente distribuídas: 9 de ouro, 2 de prata e uma de bronze.
No filme colocado na crónica de Augusto Alberto, com a final da prova de shell4 em Atenas'04, Redgrave é o segundo a contar da esquerda para a direita, ou, se preferirem, da proa para a ré.