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sexta-feira, 10 de junho de 2011

O dia das comendas


A Ordem Militar de Cristo, uma ordem honorífica, é concedida por destacados serviços prestados no exercício das funções em cargos de soberania ou Administração Pública, na magistratura e diplomacia que mereçam ser especialmente distinguidos.
Não percebo, então, a que propósito Manuela Ferreira Leite vai receber esta distinção. Se pelo facto de ter dirigido o Ministério das Finanças, se só por ter afinidades políticas com o Presidente da República.
Considerando o primeiro caso é justo que todos os detentores da referida pasta também sejam agraciados. Assim, o Teixeira dos Bancos que se prepare para o ano.
Já considerando o segundo, não é admiração nenhuma pois o detentor do mais alto cargo da nação  condecorou, há uns tempos atrás, agentes da PIDE (isto foi ainda antes de chamar dia da raça ao 10 de Junho). Por isso, condecorar os amigos não lhe fica pior.
Quem não tem culpa nenhuma desta treta toda e vê o seu nome aqui misturado é o Luís Vaz.
Mas deixa-nos aqui uma redondilha. Lá vai ela:


Os bons vi sempre passar
No mundo graves tormentos;
E para mais me espantar,
Os maus vi sempre nadar
Em mar de contentamentos.
Cuidando alcançar assim
O bem tão mal ordenado,
Fui mau, mas fui castigado:
Assim que, só para mim
Anda o mundo concertado

quinta-feira, 9 de junho de 2011

Camões e as altas torres

um texto de Eugénio de Andrade


De Camões, em pura verdade, muito pouco sabemos. Nasceu pobre, viveu pobre. Morreu mais pobre ainda (se não miseravelmente), ele, que acumulou bens que milhares e milhares de homens não têm chegado para delapidar. E será difícil exaurir tão fabulosa fortuna. Porque – quem o duvida? – foi Camões que deu à nossa língua este aprumo de vime branco, este juvenil ressoar de abelhas, esta graça súbita e felina, esta modelação de vagas sucessivas e altas, este mel corrosivo da melancolia. Daí ser raro o verso português digno de tal nome que as águas camonianas não tenham molhado de luz, desde as mais ásperas das suas consoantes às vogais mais brandas.

Fora do nosso coração, não sabemos onde Camões nasceu; nem o ano ou o dia em que saiu da “materna sepultura” para o primeiro amanhecer. Como não sabemos onde estudou ou quem lhe ensinou o muito que sabia. Nem isso importa. Nalgumas linhas da sua poesia, e sobretudo nas poucas cartas que indubitavelmente são dele, pode ler-se que, como português, encarnou até à medula toda a nossa condição: pobreza, vagabundagem, cadeia, desterro. “Erros”, “má fortuna” e “amor ardente” se conjuraram para fazer daquele alto espírito do Maneirismo europeu uma das figuras mais desgraçadas da via-sacra nacional. Por “erros”, talvez se possa entender um cristianíssimo arrependimento daquele marialvismo da sua juventude; a “má fortuna” não pode ter sido senão a de ter vivido num tempo em que “Portugal era uma casa sem luz em matéria de instrução”, e se preparava fatidicamente para abandonar todas as suas guitarras nos campos de Alcácer Quibir; quanto ao “amor ardente” – não foi o próprio Camões que se mostrou dividido entre o límpido apelo dos sentidos e toda uma platonizante teoria de amor bebida em Petrarca e Santo Agostinho?

Não sabemos também quem o poeta tenha amado, para lá das anónimas “ninfas de água doce” do Mal-Cozinhado e outros bordéis de Lisboa. Mas que tais “ninfas” tiveram na sua vida importância, ninguém pode duvidar. As cartas de Camões, e como fonte da sua vida privada nada temos mais seguro, além de nos darem notícia do seu espírito arruaceiro, quase não falam de outra coisa. Que a sua poesia só muito raramente tem a ver com os “pagodes” de Alfama é óbvio, mas dali deve ter partido algumas vezes para, depois de metamorfoses várias, voar muito alto, com sempre aconteceu, particularmente em herdeiros da cortezia e do dolce stil nuovo. Porque a verdade é que nenhuma poesia portuguesa partiu tanto dos sentidos para tanto se desprender deles, como a de Camões. Talvez Aquilino tenha razão: Camões deve realmente ter saboreado com o corpo todo as coisas boas, defesas ou permitidas da vida, mas teremos de acrescentar que nenhum outro poeta foi capaz de se erguer tão alto ao céu platónico das ideias, e tão pungentemente meditar sobre as “mudanças” a que todo o amor está sujeito, ou tão dramaticamente arrancar do “abismo infernal de (seu) tormento” a transparência de um canto dilacerado por uma lúcida consciência de desamparo e desconcerto. E não me venham com maniqueísmos: “damas da corte” de um lado e do outro “damas de aluguer” – o amor ergue os seres ao horizonte da dignidade, e Camões, ou quem quer que seja, se na verdade amou, nunca fez outra coisa.

Se não estou em erro, foi António Sérgio quem mais incisivamente trouxe o lirismo camoniano para a esfera do neoplatonismo, e sublinhou, além de preocupações religiosas e morais, a raiz metafísica da sua poesia amorosa. Ao pôr-se o acento sobre o carácter intelectual desta poesia, procurava-se corrigir uma ideia bastante corrente de que o poeta seria predominantemente sensorial, antimetafísico, e não sei que mais. Claro que Camões, como homem, medida de todas as coisas, foi um e outro, porque nada impede que a música de uma natureza mesmo profundamente sensual, mas de eminente capacidade visionária, possa subir às mais altas torres; que se saiba, não há incompatibilidade nenhuma entre o estar-se eroticamente “a prisões baixas atado” e ter no “alto pensamento” a sua naturalíssima complementaridade.

Afinal, este homem que deixou fama de desabusado, este pobre soldado raso que regressa de Ceuta a “manqueja(r) de um olho” (para o dizermos com terríveis palavras suas), que serviu na Índia durante cerca de três lustros sem sequer ter ganho para as passagens de regresso à pátria, este homem que, segundo um dos seus primeiros biógrafos, ao morrer não tinha um lençol para lhe servir de mortalha, estava destinado a consolidar a Hierarquia com o seu Canto – o supremo ressoar das águas de todos os nossos mares e de todos os nossos olhos.

quinta-feira, 10 de junho de 2010

10 de Junho

Correm turvas as águas deste rio
Que as do céu e as do monte as enturbaram;
Os campos florescidos se secaram;
Intratável se fez o vale, e frio.

Passou o Verão, passou o ardente Estio;
Umas cousas por outras se trocaram;
Os fementidos Fados já deixaram
Do mundo o regimento ou desvario.

Tem o tempo sua ordem já sabida;
O mundo, não; mas anda tão confuso,
Que parece que dele Deus se esquece.

Casos, opiniões, natura e uso
Fazem que nos pareça desta vida
Que não há nela mais que o que parece.


Luís Vaz de Camões

quarta-feira, 10 de junho de 2009

Um soneto de Luís Vaz

Num mundo poucos anos, e cansados,
Vivi, cheios de vil miséria dura:
Foi-me tão cedo a luz do dia escura,
Que não vi cinco lustros acabados.

Corri terras e mares apartados,
Buscando à vida algum remédio ou cura;
Mas aquilo que, enfim, não quer Ventura,
Não o alcançam trabalhos arriscados.

Criou-me Portugal na verde e cara
Pátria minha Alenquer; mas ar corrupto,
Que neste meu terreno vaso tinha.

Me fez manjar de peixes em ti, bruto
Mar, que bates na Abássia fera e avara,
Tão longe da ditosa pátria minha!

O 10 de Junho, a hipocrisia e a azia

Cavaco Silva não consegue disfarçar o mau estar que lhe causa o 25 de Abril. Enquanto primeiro-ministro chegou ao desplante de recusar uma pensão à viúva do Capitão Salgueiro Maia e de condecorar dois pides.
Hoje vai, numa atitude de hipocrisia pura, homenagear o herói da data libertadora. Será que vai engolir um "sapo vivo" ou estará tão à vontade porque o espírito de Abril está, no seu entender, já morto e enterrado?
Em todo o caso, o presidente da república faz dois em um, a vingança toma a forma de antídoto para a azia: vai também condecorar um “penduricalho patronal” (a expressão não é minha, a que tenho não é melhor, é muito longa. É assim: um “grupelho de jagunços ao serviço de um bando de malfeitores”).

terça-feira, 10 de junho de 2008

"Como tu, junto ao Ganges sussurrante"

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
Muda-se o ser, muda-se a confiança;
Todo o mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.

Continuamente vemos novidades,
Diferentes em tudo da esperança;
Do mal ficam as mágoas na lembrança,
E do bem, se algum houve, as saudades.

O tempo cobre o chão de verde manto
Que já coberto foi de neve fria,
E em mim converte em choro o doce canto.

E, afora este mudar-se cada dia,
Outra mudança faz de mor espanto:
Que não se muda já como soía.



Com grandes esperanças já cantei,
Com que os Deuses no Olimpo conquistara;
Depois vim a chorar porque cantara,
E agora choro já, porque chorei.

Se cuido nas passadas que já dei,
Custa-me esta lembrança só tão cara,
Que a dor de ver as mágoas que passara,
Tenho pela mor mágoa que passei.

Pois logo, se está claro que um tormento
Dá causa que outro na alma se acrescente,
Já nunca posso ter contentamento.

Mas esta fantasia se me mente?
Oh! ocioso e cego pensamento!
Ainda eu imagino em ser contente!
Adenda às 13h37: ao que isto chegou, já nem sequer disfarçam. Veja aqui.