quinta-feira, 30 de outubro de 2008

Crónicas em desalinho (VI)

Figueira da Foz-Singapura: ida e volta (parte 2)

por Augusto Alberto (texto e foto)

Os primeiros Jogos Olímpicos da Juventude, a realizar em 2010, dois anos exactamente antes dos Jogos Olímpicos de Londres, chamarão jovens atletas nascidos nos anos 1992/1993. Estes primeiros Jogos da Juventude receberão cerca de 5.000 pessoas, somando cerca de 3.500 jovens atletas, e os restantes, treinadores, dirigentes, árbitros, equipas médicas e outros. Para receber este enorme grupo de pessoas, a cidade-estado construirá, uma enorme estrutura à volta do actual Instituto do Desporto de Singapura. 5 dias são o tempo necessário para esta competição, que receberá um conjunto importante de 26 modalidades, individuais, como o atletismo, natação, ginástica desportiva e rítmica, ciclismo em estrada e pista, tiro com arco e colectivas, como o remo, basquetebol, andebol, voleibol, por exemplo. São modalidades que constituem tradicionalmente o melhor dos Jogos Olímpicos de Verão. Será importante dizer que Singapura, sendo um pequeno estado, não é alheio ao prazer das medalhas olímpicas. Nos últimos Jogos Olímpicos de Pequim, teve a oportunidade e o sabor de arrecadar 2 medalhas, numa disciplina tão competitiva como a natação.
A cerimónia de abertura será montada exactamente num local com grande espaço, de extraordinária beleza, absolutamente tranquilo, numa imensa massa de água limpa, que acolhe barcos de todos os cantos do mundo, tratando-se de uma enorme marina, e que terá para o efeito possibilidades únicas para montar um belo espectáculo televisivo, tratando-se da cerimónia de abertura, como é usual, em situações idênticas passadas e evidentemente futuras. Com certeza esse espectáculo recolherá o melhor das várias culturas que cruzam o pequeno estado, chinesa, a etnia maioritária, indiana e muçulmana. Eu direi que estão ali razões ancestrais e culturais, em contributo para num caldeamento superior nos oferecer mais um belo espectáculo cénico e televisivo, num cenário suportado pela água. Convêm dizer, desde já, que não é por acaso que a cerimónia terá por companheira a noite, indo ao encontro de nuances absolutamente notáveis de luz e som. Esperemos por essa noite, que se quer mais uma vez admirável. A beleza será sempre beleza aqui ou ali, em absoluto.



Neste encontro internacional, anual na minha modalidade, que fez uma primeira abordagem a estes Jogos, estiveram países tão importantes, como a Grã Bretanha, país anfitrião dos próximos Jogos olímpicos, Austrália, Nova Zelândia, Suíça, Noruega, Roménia, Itália, Dinamarca, França, Alemanha e muitos países da região asiática, não menos importantes por essa condição. É evidente que esta abordagem foi realizada sempre na perspectiva da modalidade que a realizou, como é mais do que óbvio. De sublinhar a magistral intervenção, na perspectiva da Grã-Bretanha, por razões mais do que evidentes, dado que alguns dos seus jovens atletas, estarão primeiro em Singapura e adiante dois anos, em Londres, realizada por uma senhora, medalha de prata nos Jogos Olímpicos de Atenas, ano do centenário dos Jogos Olímpicos. Uma intervenção muito lúcida de uma bela mulher, Gui Batten, vice-campeã Olímpica e que correspondeu em absoluto ao seu brilhante titulo desportivo.

As razões foram muitas e correspondem em absoluto ao espírito destes primeiros jogos da juventude e que desejo deixar aqui breves referências. Em primeiro, o da aprendizagem dos valores do espírito olímpico, na esteira dos ideais iniciais, ao cabo do tempo, prensados pelo alto valor do resultado desportivo moderno. Contudo, será importante esclarecer, que de bom grado, é possível compatibilizar o sucesso com o espírito do afecto e do respeito. E isto esclareceu uma verdadeira medalha de prata, que deixou muito claro esta mensagem de um modo surpreendentemente elegante. Ninguém ficou indiferente a uma mulher que nos transmitiu o gosto daquela medalha arrancada com dor, numa luta épica de 2.000 metros, sempre lado a lado, também com uma superior equipa russa.

A diferença que separou estas medalhas de prata e bronze, foi um impressionante centésimo. Assim se molda e faz a coragem olímpica. O cumprimento, após a competição, ainda no barco e depois no pódio, alinha com esse valor social. Foi, nas palavras desta senhora, a prova mais longa da sua vida, admitindo mesmo que outras provas na sua longa vida de atleta, tenham sido mais rápidas. Mas com certeza, em nenhuma o coração bateu tanto e os músculos tanto sofreram. Mas que fique claro, que esta dor física que suportou esta e tantas outras leais batalha, assentou sempre em altos níveis de trabalho diário, ao longo de semanas, meses e anos, sem desfalecimentos e em modelos de organização estáveis e sólidos. E isso foi aquilo que nos vieram dizer os que também vieram da Austrália, Nova Zelandia, Alemanha, Dinamarca, sobretudo estes, por tanto estarem habituados ao sucesso, ainda que de tempos em tempos às vezes lhes aconteça percalços, mas que não retiram brilho às ideias, porque na competição nem sempre se ganha, mesmo que aquilo que a suporte seja um bem estruturado e dinâmico modelo. É assim a competição. Importante é perceber que ao lado está outra equipa ou outro parceiro de competição que também tem o direito ao sucesso e à felicidade da vitória.
Todos explicaram, com notável clareza, que é na escola que tudo começa, continua depois e muitas das vezes, também acaba. E esta é a verdadeira questão e dimensão do sucesso desportivo ao mais alto nível. Foi muito claro das suas explicitações e amostragens. De momento, na Grã-bretanha, estão a decorrer, com vista primeiro a Singapura e depois a Londres, 5 programas que cobrem transversalmente e do modo mais variado, milhares de jovens, que correm em todas as escolas do país. Aliás, esta senhora medalha de prata fez em absoluto este percurso, ainda no ido século XX. Como nos disse, não foi um produto do acaso, mas de um modelo de sucesso.
O segundo registo impressionante, que quero aqui deixar e que nos foi transmitido pelo treinador da Nova Zelândia, que diariamente trabalha numa escola secundária, cuja modalidade eleita é o remo e que nos deixou muito imperecíveis, dois números, 30-35. São os números semanais que fazem as horas dadas ao treino das várias competências desportivas na sua escola, com vista ao sucesso desportivo e nem sequer admite o insucesso escolar. Como isto é feito, não explicou, mas pressinto. Será segredo? Não creio. Também, quase direi, para que me interessa, se no meu país esta questão nem se coloca e está bem longe de ser resolvida.
É na escola que tudo começa e muitas das vezes onde tudo acaba, disse eu. É verdade, ainda que as horas dedicadas ao treino e à competição, aos muitos quilómetros percorridos sejam de capital importância para o sucesso desportivo, vos digo, porque o próximo registo, quiçá para mim o mais importante, é que esta gente que se soube colocar no lugar mais alto do Olímpo, ainda consegue, após tantos anos, de um modo claro e activo, indicar que teremos de porfiar com os valores da elegância, da saúde física e emocional do homem, da leal competição, da preocupação pela saúde do planeta, num mundo, feito por homens que o atrelam a conflitos em catadupa, torpezas, mentiras e golpadas esquizofrénicas.

Só pode ser, de certeza, por pura paixão, não havendo por isso aqui lugar a nenhuma contradição.

No video: final de shell4 em Atenas 2004.

1 comentário:

Fernando Samuel disse...

Outro bom texto de Augusto Alberto.
(é a isto que se chama o ideal olímpico?...)


Um abraço.