domingo, 30 de novembro de 2008

Histórias de mineiros (IV)

Augusto Alberto

A mesa de madeira simples, repleta de uma família numerosa, eram a única riqueza do mineiro. Os seus filhos esquálidos e com nítidos sintomas de subnutrição; barrigas ovalizadas, por uma alimentação carenciada de elementos fundamentais. Encostados lado a lado, irrequietos na sua fome crónica, com ar de meninos que nunca foram meninos; rotos, pés descalços, cabelos desgrenhados, com chagas maltratadas, lá estavam esperando o prato magro.
Eram quadros comuns e constantes: para o mineiro, dramáticos.
O mineiro abastecia-se quinzenalmente na “cooperativa” da companhia.
Trazia pouco, que o vencimento era curto e nem sequer dava para esticar um poquinho que fosse.
De cada vez que se abastecia era-lhe dado uma senha ficando a outra na “cooperativa”. E quinzenalmente, quando do vencimento, as contas com a “cooperativa” eram saldadas logo no escritório da companhia.
Saldadas as contas, pouco restava ao mineiro. Na maior parte das vezes nem tostão recebia, o mesmo que dizer que continuava o deficit com a “cooperativa”. Deficit que se prolongava para muitos. Ficavam como devedores quase vitalícios.
Mas a história não se ficava por aqui. Havia também o gamanço. “A gente não via as contas. Éramos roubados sem piedade. Íamos para a tasca e nem um copo de vinho podíamos pagar a um amigo, tal era a miséria – recorda em tom amargurado o mineiro.
Era a dependência total. A companhia decidia da vida.
O vencimento limitava os gastos e os gastos limitavam o convívio social. Um convívio social qualitativamente pobre, feito de conversas de tasca, com os corpos encostados ao balcão ou de cotovelos cravados no tampo de madeira suja e com odor a vinho.
Depois havia a providência social.
O mineiro acidentado ou muito doente, mas só mesmo muito acidentado ou muito doente, baixava ao hospital ou à sua cama.
Nos primeiros três dias o mineiro nada recebia e daí em diante passava então a vencer uma quantia muito reduzida.
O mineiro e a companheira percebiam que naquele momento se abatia sobre a família maior desgraça, maior fome.
Havia então a retracção na compra de produtos na “cooperativa”.
Os armários simples e vazios, de uma nudez empoeirada e enegrecida eram bem a imagem da fome constante.
A companheira era assediada pelos filhos de estômagos doridos. Pouco tinha para lhes dar: côdea magra e negra. Para o companheiro, magro e de olhos encrustados na face, a impotência patente em o contentar com uma refeição de que ele bem necessitava.
Era assim a vida madrasta do mineiro.

3 comentários:

samuel disse...

Bela descrição do trabalho escravo "legal" posterior à abolição da escravatura. Vendo bem, ainda hoje...

Anónimo disse...

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Cinema e tv disse...

Boa noite passei por aqui por azar vejo que este texto já tem 7 anos não sei se alguem o vai ler mas sendo filho de mineiro que trabalhou 35 anos na mina. desportou-me interesse em ler o seu artigo-
Eu fui para o bairro dos mineiros pelos meados 1954/55 fui para o jardim escola da empresa a que hoje é uma capela da S. Barbera Há certas passagens que estou de acordo consigo mas há outras que são completamente inventadas.
1º Na cooperativa sempre que se ía lá a comprar qualquer coisa havia sempre uma requisição em duplicado , é verdade que era justo mas eu nunca passei fome sempre tive o comer na mesa.os meus pais depois de acabar a quarta classe fui estudar para a escola comercial.
uma vida ingrata isso era a vida de mineiro
quando fala de doenças a pior era o pó nos pulmões isso todos sofriam e era a morte de muitos.
tinha uma enfermaria com dois enfermeiros e mais dois medicos que estavão a disposição dos mineiros e suas familias pelo natal todos os filhos dos mineiros tinham uma prenda com almoço na messe .
mais tarde com 18 anos entro a trabalhar para as oficinas auto.
tinha balneareos a donde tinha uma pessoa só a tratar da agua quente tomara muitas empresas hoje ter essas instalações. isto que lhe desabafo aqui foi entre 1955 / 70 se não estou em erro as minas fecharam 1965/68
Um Abraço
cumprimentos
Jose Bernardo