terça-feira, 30 de dezembro de 2008

Crónicas em desalinho (VIII)

De Setúbal à Colômbia e Cuba
Augusto Alberto (texto e fotos)


Nestes dias de Natal, o Bispo de Setúbal publicamente afirmou que meninos tomam a sua única refeição diária na escola. Também amigos meus, professores no ensino secundário no distrito, me disseram o mesmo. Vindo esta notícia de um eclesiástico do topo da Igreja, é de acreditar. Não estamos, pois, no reino da vermelha invenção.
Também organismos de referência da ONU e outras Ongs, nos falaram por este Natal, da miséria moral e social na Colômbia. País governado por um senhor de óculos com aros dourados e finos, e intelectualmente um escroque, em posição de 4 perante o império do norte. Em nenhum país os sindicalistas e jornalistas são tão massacrados, contam-se às dezenas as mortes, e órgãos do estado, como a assembleia Nacional ou a polícia, estão tão virulentamente ao serviço de uma casta reaccionária. São muitos milhões, digo milhões, de indigentes e miséria a rodos.
Por causa deste país a Festa do Avante e o Partido que a realiza foram violentamente achincalhados por receberem no seu seio membros de um movimento de libertação, que se comporta como se comportaram, ontem, os movimentos de libertação em Países de África. Não esqueçam.
Na província de Setúbal reina desde há muito a desesperança, porque foi atacada por estratégias do grande capital mais recuadas a que um país europeu pode estar sujeito. Quase todo o sistema produtivo foi liquidado e hoje o balanço, apesar de todos os projectos, magnanimamente riscados no papel, é miserável, tanto dos pontos de vista social como moral. O Drº. Soares e o seu ex. amigo de “esquerda”, Alegre, poderão explicar melhor. E a Colômbia continua a ser o quintal do império, um pouco mais recuado, porque o império, pelos vistos, está em dificuldade e por agora começa a perder o pé.
E eu no ano passado, mais precisamente em Maio, resolvi, antes que a morte me apanhe, fazer uma visita à ilha. Passeei por Havana e senti e vi o magistral trabalho de recuperação e manutenção da zona velha da cidade. A Praça de Armas é uma coisa absolutamente notável e a catedral e a sua praça, de desenho barroco, Borromini arquitecto de seu nome, pérolas. Nunca vi, e tinha Barcelona ou o centro histórico de Vilnius como imagens supletivas, tantos meios dados à cultura como por ali. O Malecon, o paredão por onde os Americanos deixaram a sua marca urbana, a começar a ser reconstruída, ainda que me tenha parecido com um pouco de lentidão, mas os meios…
O bairro chinês, esse muito degradado e a precisar claramente, senão de integral recuperação, porque muito dele terá de ser arrasado. Mas num país pobre, com muito poucos meios naturais que possam qualificar uma nação como auto-suficiente em muitos aspectos, com muitas e várias carências, ainda vi coisas que me emocionaram. Na Baia de Matanzas, que dá o nome à cidade e é sede da província que acolhe a estância turística de Varadero, onde mergulhei em águas com 28 graus, tive a oportunidade de ver uma experiência magnífica. Numa tarde de sol imenso, na tal baia, dei por mim a ver dezenas de barcos à vela, modalidade olímpica como sabemos, e aqui escrevo nesta aldeia, a deslizarem de um lado para o outro. Achei um espanto, porque não se tratava nem de 1,2,3,4, dezenas de barcos, mas de bem mais dezenas. A vela como sabemos é no contexto do desporto das sociedades capitalistas uma modalidade para elites. Não é um qualquer cavalheiro que dispõe de meios para ter o prazer de velejar olimpicamente, mas ali na baía de Matanzas, na Ilha de Cuba, olá, lá, lá, a vela olímpica estava democraticamente transformada. Vejam só, afinal, o equilíbrio! Absolutamente raro! Já vi muito, nunca tudo, e exactamente por isso, acabei por perceber que afinal ali na Ilha a riqueza e os meios, tem mais graça, porque estão democraticamente mais bem distribuídos. Não estamos perante um mundo em que um punhado tem muito e os outros, muitos, têm pouco. Só assim é possível fazer de uma modalidade em norma de elites, numa modalidade de massas. Também não vi meninos ranhosos, com os pés a arrastar pelo chão e em ferida, andrajosos e com barrigas ovalizadas da fome e da sede. Afinal, alguns méritos haverá de ter aquela nação, apesar de todas as dificuldades, os escassos meios e muita maledicência.
A província de Setúbal e a Colômbia, são outra conversa. Dizem-nos que são a essência da democracia. Mas percebam que nem todos somos tolos!
Já sei que virá um qualquer anónimo, que dirá, patatipatatá, mas comigo é perda de tempo. Tenho ossos duros e também já não sou dado a embalos.

3 comentários:

Ana Tapadas disse...

Belo Post!
Gosto de ler as tuas reflexões...tão acertadas.
Tem muita saúde em 2009!

Fernando Samuel disse...

Um bom 2009 e a continuação destes magníficos textos.
Um abraço.

samuel disse...

Bom post!

Abraço.