sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Não se distraia

Augusto Alberto

Um velho militante comunista mostrou-se relativamente desiludido quanto aos resultados eleitorais. Contou-me que esperava mais, lá para os dois dígitos ou perto, ainda que a consolidação da base eleitoral seja sempre um bem. Lamentou o facto da grande disponibilidade dos comunistas para o combate às políticas mais tortas, lembrando a dos professores, que acabaram a votar Bloco de Esquerda e os mais de 600 mil desempregados, que lá continuam votando PS e PPD/PSD.
Sem azedume, lá lhe disse que o voto popular é soberano e não há como lhe fugir. Contudo, sempre lhe lembrei que os professores armados em corporação, nunca estiveram maduros, não estão ainda e vai demorar até que estejam, para votar comunista, para além de que mudar sem nada querer mudar, é impossível.
É claro que já não acreditam que comemos criancinhas ao pequeno-almoço, bem ficariam desempregados. Que também já deixamos de dar injecções aos velhinhos atrás da orelha, bem não gozavam a sua reforma, mas ainda está verde. Contudo, será bom que os professores comecem a por a álgebra, que bem conhecem, ao serviço do entendimento das coisas sociais, sob pena de um dia haver algum azar. Não estava a perceber onde eu queria chegar e por isso continuei.
Se os professores e toda a gente perceber que 1,3 é o quociente de 24 por 18, então o mundo vai entender que esse 1,3, é exactamente o número de suicídios mensais na France/Telecom, na directa razão da reestruturação da empresa, que exigiu sacrifícios acima daquilo que muitos dos seus funcionários poderiam suportar. Lembro que essa reestruturação é suportada por aquelas coisas que hoje nos vêem vendendo, como o elixir para a salvação da espécie, assim a modos como uma cartilha global, como a mobilidade, flexibilidade, banco de horas e afins.
É evidente, que estas coisas estão às vezes bem longe do entendimento imediato e só são entendíveis, quando dói. Se por ventura os trabalhadores da France/Telecom tivessem ouvido pessoas progressistas e muito em especial os comunistas, e no caso concreto da nobre pátria, os avisos dos comunistas portugueses, e se se tivessem feito à rua e ao voto, talvez tivessem escapado, mas acontece que dormir sobre estas coisas, durante muito tempo, pode ser fatal.
Evidentemente que para muita desta gente, incluindo os professores, os comunistas são uma espécie de tropa de choque, sempre preparada para meter os cornos de onde todos os outros cavam, quando as coisas começam a entortar. Mas não chega, como também não chega recolher cada vez mais simpatia. É preciso acolher os avisos dos comunistas. Desse modo, é bom que as pessoas comecem a perceber, que de há uns anos a esta parte, o pêndulo das relações sociais, tende a favor da parte mais forte, e por isso, temos hoje, novos servos da gleba, muitos deles vestem armani, porventura guiam automóveis de gama média ou média alta e fazem férias na Côte d’Azur, mas sem perceberem como um dia, porque não aguentam, no conforto do sofá, acabam com um tiro na cabeça, ou voam do alto da varanda para o empedrado do passeio. E os novos torcionários, feudais, são os G.E.O, executivos, com papel universitário, que se fizeram segundo o pensamento único. Viram o sebento do director principal?
Tudo isto tem data. 1989. Pois é!
Com razão barafustou Brecht contra aquela ideia, de que isso é só com os outros e por isso, de há 18 meses a esta parte, foram 24 trabalhadores da France/Telecom, amanhã quem sabe, o cangalheiro não o visite, a si, ou a um familiar. Não se distraia.

3 comentários:

duarte disse...

O papel da comunicação social foi determinante. foi um atirar de areia para os olhos... e caminhamos a passos largos para este, ou outro tipo de situação.
um exemplo: o distrito de bragança , que tem sido esquecido pelo psd e ps, tem nestes dois partidos a maior votação. palavras para quê. num entanto a abstenção na minha terrinha rondou os 45%...o que já é alguma mudança. fomos a treceira força política, falta só convencer os restantes.assim se completa a transformação.
abraço do vale.

Guimaraes disse...

Este caso da France Telecom é um sério aviso à navegação. Infelizmente o procedimento da empresa não é único e tende a tornar-se "normal" mesmo cá pelo nosso país. Consequências da "sociedade de sucesso" preconizada há 20 anos pelo prof. Cavaco!
E que acontece se os trabalhadores desesperados, em vez de se suicidarem começarem a "suicidar" os gestores? Serão apodados de terroristas?

Anónimo disse...

O capital vive do enorme exército de desempregados, que os ajuda a manter em sentido qualquer tentativa de humanização do trabalho e dos excessos das reivindicações dos que trabalham e vendem a sua força de trabalho. Dai que todo o discurso e preocupações sobre as questões estruturais do desemprego que saem das bocas das luminárias que nos guiam assemelham-se a lágrimas de crocodilo. Sabemos todos muito bem que lá fora estão os que por muito menos se dispõem a fazer o mesmo e a deitar por terra os seus direitos e dos que ainda trabalham. Não por sua exclusiva culpa, mas por culpa de todos nós deserdados. Por isso qualquer aumento do desemprego implica que alguém festeje alegremente esse facto, que lhes assegura o futuro de forma brilhante, abrindo e brindando com umas garrafitas de Dom Pérignon. Por isso reivindicar ou lutar pela humanização do trabalho é crime em tempos de crise (mas que crise é esta?) e, como tal, deve ser punido. O desemprego é a punição que se lhe segue. Preferem burro que coma e cale do que burro que morda, com razão, n mão que lhe dá de comer. Isto de ricos e pobres é assim desde que o mundo existe. Repete-se até á exaustão para que pareça uma verdade.

C. Freitas