quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Do desemprego e do lodo (croniqueta sobre uma hipocrisia)


Patrões e sindicatos estão preocupados com os números de desemprego, dizem as noticias. Consta-se que poderá já ultrapassar os 10%.
Se do lado dos sindicatos essa preocupação é naturalmente genuína, uma vez que os torna enfraquecidos por muitas e várias razões, entre as quais a diminuição do seu poder reivindicativo, a defesa dos interesses e direitos dos seus associados, do lado do patronato parece-me estarmos perante uma hipocrisia sem limites. É sabido, aliás é dos livros, que o desemprego favorece, entre outras coisas, a política de baixos salários, o que contribui para um aumento dos lucros com muito menos investimento.
Pensa-se que com a continuidade desta política, no final de 2010 Portugal tenha muito perto de um milhão de desempregados. E não vejo vontade, nem interesse da parte do governo ou de quem o sustem, de mudar este estado de coisas.
E não sei se os milhares de trabalhadores precários estão incluídos nas listas de desemprego. E o desemprego diminui, também, com o emprego de qualidade. Que não há. Serão milhares os casos e os sectores onde poderemos assistir ao que se acaba de dizer.
Um caso flagrante é os dos portos. Aqui na Figueira da Foz, como em qualquer outro porto. A título de exemplo, o porto da Figueira da Foz movimentava há cerca de 15 anos cerca de 600.000 mil toneladas de mercadoria/ano. E dava lucro. E tinha cerca de 80 estivadores.
Nos últimos 3 anos esse porto ultrapassou o milhão de toneladas/ano. O número de estivadores não chega a uma dúzia.
E como é isso possível? Perguntais vós. Simples, aos poucos a situação nos portos regressou à que era antes do 25 de Abril e que tão bem é retratada no filme de Elia Kazan “Há lodo no cais”. Os operadores têm uma lista de desempregados, superior aí umas dez vezes ou mais ao número de trabalhadores que precisam e diariamente vão chamando os que precisam, aleatoriamente ou… bem. Este tipo de contrato diário, além de ser uma violação dos direitos do homem, é uma outra nuance de trabalho precário.
Mas há um modernismo nesta coisa. Os trabalhadores não têm de se posicionar à frente do portão, como antes. Esperam que o telefone toque às 07h30 da manhã. Se não tocar lá têm de ir à vidinha procurar emprego. O que é, digamos, uma tarefa utópica. Mas os operadores portuários, para só citar este exemplo mas que serve para outros sectores, aumentaram os lucros fabulosamente.
Estarão eles preocupados com o desemprego? Sinceramente não me parece.

5 comentários:

Fernando Samuel disse...

A «modernidade» é danada... para «modernices»...

Um abraço.

Carlos Freitas disse...

Quando o Estado resolveu baixar a dita "factura portuária", era então ministro João Cravinho, um facto que ajudou as empresas privadas de trabalho portuário a suportar, com dinheiro dos contribuintes, as inúmeras reformas antecipadas do seu pessoal, então considerado excedentário. E, ao baixar a "factura portuária", porque é que apenas se baixaram os preços praticados na exploração portuária por parte das Administrações portuárias, deste modo benefeciando claramente as empresas de trabalho portuário, que reivindicaram durante largo tempo benesses nos preços praticados no aramazenamento e circulação de mercadorias no interior dos portos e pela utilização dos equipamentos portuários e mão de obra pública? Assim se contribuíu para a descapitalização quase total das Administrações e Juntas portuárias, que se viram a braços com a necessidade de serem elas as únicas a custear as despesas de manutenção dos equipamentos portuários (cedidos agora aos clentes privados a preço zero) e pagamento dos seus trabalhadores e obrigando muitas a recorrer ao Orçamento do Ministério que as tutela, a fim de satisfazer conseguirem satisfazer necessidades outrora cobertas pelo preço de utilização. O que fizeram então as empresas privadas com esta benéfica baixa? Capitalizaram-se e precarizaram ainda mais o emprego entre a mão-de-obra a que recorrem. A privatização dos portos portugueses, obedecendo de forma cega às imposições liberais de Bruxelas, carrearam para este sector enormes injustiças e regimes de trabalho desumanos. Repare-se que no sector do Estado actualmente a semana de trabalho é passível de incluir a semana total(de Segunda a Domingo). Num regime de trabalho assim o indivíduo deixa de ser pensado enquanto humano, comparado que é agora a uma mera peça, ou peão, de um conjunto de interesses onde reina a mediocridade da iniciativa privada portuguesa que vive apenas das benesses concedidas e permitidas pelo Estado e a empresarialização do sector-Estado, que deste modo tenta, ele próprio, reduzir custos e pessoal. Iniciativa tem-na apenas na criação de empregos precários, conjugada pela tradição, no interior dos estivadores, de que os seus postos de trabalho devem estar exclusivamente reservados para os seus familiares, pela rentabilização máxima das benesses concedidas e pouco investimento. Desenvolvimento e incremento unicamente as que geram lucros no futuro imediato e nunca numa perspectiva de médio e longo prazo. A privatização dos portos conduz indubitávelmente à ruina de um sector no qual o Estado devia premiar apenas os melhores. Sabe-se que assim não é. Medra o compadrio e os conhecimentos de alto nível. Obrigando-os a cumprir regras no que diz respeito à defesa do meio ambiente, equacionando o seu contributo para a diminuição da pegada ecológica produzida pelo impacto ambiental de um porto, sector que é altamente deficitário (veja-se recentemente e neste porto aqui referido foram carregados inertes altamente poluídos, retirados. quase anónimamente, dos terrenos onde hoje se encontra a central termo-eláctrica da EDP, em Lares) e na segurança do emprego, sobretudo entre as gerações mais jovens dos trabalhadores portuários. O porto, enquanto entidade física, constitui-se também pelo binómio homem e máquina e não no homem-máquina ou na máquina exclusivamente. Cosntuitui-se também no respeito pelo meio ambiente e pela segurança do emprego e pela motivação dos que nele trabalham. Sem estes factores devidamente conjugados os portos são apenas locais de exploração e rentabilização máxima. As cidades onde se incluem pouco ou nenhum proveito económico deles retiram. Antes pelo contrário, se não for o Estado a zelar e velar pela segurança e respeito pelas regras, os portos transformam-se em zonas de desumanização que se vão caracterizar pela desenfreada busca do lucro rápido e fácil.

carlos freitas nunes disse...

Existem mais Carlos Freitas neste mundo???? Apenas para dizer que se tivesse escrito o texto acima teria activado o respectivo resgisto. Não foi com João Cravinho que se enviaram para a pré-reforma os trabalhadores das empresas de estiva e conferentes. Esse trabalho, segundo me recordo, foi feito durante um dos govermos do actual Presidente da República e então Primeiro-Ministro, tanto quanto me consigo recordar. Embora concorde com algumas alusões do comentário anterior não o subscrevo na totalidade. Fique claro. Mas gostei de ver o meu nome associado a esta importante problemática, embora a minha opinião seja sempre assinada virtualmente e não de forma que utilizando o meu nome, não foi escrita por mim.

samuel disse...

Excelente post!
Tão bom que, pelo menos com a imagem, fou ficar... :-)))

Abraço.

Anónimo disse...

Acresce que a factura portuária não baixou, acresce que os operadores portuários (quais sucateiros de luxo) usufruem de regalias concedidas à revelia de leis e regulamentos, embora se tenha delapidado o erário público em reformas antecipadas e/ou indemnizações aos estivadores para se incrementar o trabalho sem direitos.
Escabroso também é a concordância dos sindicatos do sector traduzido no silêncio total e absoluto com que sempre e indelevelmente apoiaram esta política portuária.