quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Irrelevância

Augusto Alberto


António Barreto, sociólogo e um dos gurus da opinião publicada, disse há dias que Portugal corre o risco da irrelevância. Deveria acrescentar, para estar em completo acordo, que ele próprio, sociólogo Barreto, é um dos sujeitos responsáveis por este triste declínio. Mas isso era se fosse intelectualmente honesto.Também Eça de Queiroz, que no dia 25 de Novembro fez 164 anos, afirmou exactamente o mesmo. Logo se vê que afinal o sociólogo Barreto, não disse nada que já não tenha sido dito há mais de 100 anos. A diferença é que Eça foi implacável na afirmação, à época, dos males da pátria e o sociólogo Barreto, que tem a mania que é um príncipe da palavra e do pensamento, não passa afinal de um atávico barrete, como os príncipes do fim da monarquia, como nos contou, e bem, Eça. Por isso, eu acho que comemorar com rigor a data do nascimento de Eça, é bem mais importante do que comemorar o tal 25 de Novembro de 1975, que deu de novo o poder à elite esperta e caceteira, que Eça, à época, acusou de irrelevante e da qual, hoje, o sociólogo Barreto faz parte. Pelos vistos nada mudou, apenas o 25 de Abril foi um momento breve de esperança. Por isso, para a canalha bem melhor será não lembrar Eça, porque as verdades queimam.
Eu que percorro o país de norte a sul, tive há poucos dias a oportunidade de observar a irrelevância de que fala o sociólogo e falou Eça. Passei por uma terra, referência no mapa pátrio, pela primeira vez e pasmei. Saí envergonhado e a perguntar a mim mesmo o que fez ali o poder local, democrático, durante 35 anos. Pouco! Numa vila suja e desordenada, não percebo como, por exemplo, a entrada na terra não seja mais do que uma rua comprida, em que só um automóvel tem direito a passagem. Como muita coisa ainda é estreita!
É visível hoje o estado de astenia em que o País vive. Sobretudo o interior esquecido. E aquela história de que agora há estradas também pode ser vista como a facilidade de as pessoas de lá fugirem. È certo que em algumas terras o poder local tenta. Às vezes de um pequeno riacho, se faz uma linha de água, que vai levar a um pequeno lago. Relvam-se as margens, e a paisagem fica mais repousante. Mas acontece que a seguir se degrada, ou porque as pessoas não ajudam ou porque o mais difícil é manter. As dificuldades são enormes e a malha urbana começa a ficar feia.
Pior, qualquer um de nós, espreitando pela janela do avião, descobrirá um país com uma gestão dos espaços miserável. Cidades e vilas meio cambadas e desengonçadas, em que parece que nada está no lugar. Uma irrelevância do ponto de vista do ordenamento dos espaços e um festim para os patos do betão.
Este é um país a caminhar para a irrelevância, diz o sociólogo. Só se quisermos e deixarmos, porque, afinal, é o povo que escolhe. Péssimo é quando aceita e não reage. Porque apesar de muitas dificuldades, há coisas boas.
Uma passeata por Almada, por exemplo, ensina-nos que vale a pena.

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