segunda-feira, 12 de abril de 2010

Um soneto que escoicinha

Augusto Alberto (texto e fotos)

Aqui no Pocinho a primavera já tem calor de estio. São cinco da tarde e no alcatrão que borda o Douro, que vai agora mais calmo, corro na companhia dos meus dois atletas paraplégicos, cada um na sua cadeira de rodas. Em plano, a descer e a subir. A meio já precisam de água. Os socalcos acima do rio, estão a ser preparados para a vinha rebentar de novo e dai, ao Porto, branco ou tinto. Ou ainda os vinhos de mesa, tintos ou brancos. Já longe vemos as vinhas da casa de Vale Meão, de D. Antónia Adelaide, a Ferreirinha. Essa mulher que muitas vezes teimou com o Marquês de Pombal. E do lado de lá, depois do rio, a linha do Douro, que infelizmente já não chega a Castela. Restam as sulipas desconchavadas, os carris aplainados e as cavilhas num botaréu. Na confluência, uma ponte decrépita, que nos informa que ali também houve comboios. Os do Tâmega, que também se acabaram.
A barragem do Pocinho, que trava o Douro e o amaina, foi o ponto de partida e de chegada para os 60’ de cadeirada. Chegamos cansados e logo se apresenta pelo lado contrário uma carroça puxada por um cavalo. O bicho vá-se lá saber, teve medo e desatou a escoicinhar e o homem teve lesto de se por ao chão, porque a besta rodopiava e levava consigo a carroça. Junto ao paredão da hidroeléctrica da EDP, paramos os três, desconfiados e à porfia, não fosse a coisa complicar-se. A besta lá foi cedendo ás boas falas e manobras do dono e retomou a marcha sem mais acidentes.
Foi uma besta a escoicinhar junto ao paredão da EDP e logo pensei, que cavalos também somos, porque pagamos na factura o “mileu” do Mexia e do séquito. E esses não comem palha.
Aqui para este lugar, de frios e calores a sério, trouxe, nem de propósito José Régio, para os tempos possíveis e logo me lembrei de um soneto que não resisto em deixar. Como José Régio, um católico convicto, mas decente, viu Portugal. Se não é um atavismo, o que é?



Surge Janeiro frio e pardacento
Descem da serra os lobos ao povoado
Assentam-se os fantoches em S. Bento
E o decreto da fome é publicado

Edita-se a novela do orçamento
Cresce a miséria do Povo amordaçado
Mas os biltres do novo parlamento
Usufruem seis contos de ordenado

E enquanto à fome o Povo se estiola
Certo santo pupilo de loyola
Mistura de judeu e vilão

Também faz o pequeno “sacrifício
De trinta contos – só! - por seu oficio
Receber, a bem dele…e da Nação.


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