terça-feira, 1 de junho de 2010

Fartai-vos vilões

Augusto Alberto

Dar uma injecção atrás da orelha aos velhinhos, para lhes acabar com a existência e reduzi-los a pó, era uma espécie de acto festivo. Comer meninos ao pequeno-almoço foi uma espécie de majestático requinte. Foram as duas actividades mais refinadas de um grupo de gente que andou por cá escondida até 1974. Estas foram histórias contadas não só ao abrigo de uma faia, junto ao coreto, no lugar fronteiro à igreja, mas em muitos outros locais, desde lares, nos poucos que existiam, até, afinal, dentro das sacristias. Será preciso dizer que o senhor padre e os beatos não mentiram, inventaram e a invenção não cabe no cardápio dos pecados. E a pia liberta.

Votar de dedo no ar, foi uma cabal demonstração de como a liberdade foi sempre castrada. Votava-se de braço no ar para que aquele ínvio que estava escondido nos bastidores, a mirar, num olhar voyeur, a assembleia que decorria, fosse anotando num caderninho o nome dos que ao arrepio da corrente, ousassem votar contra, ou seja, deixando o dedo em baixo quando a maioria o esticava para cima, para de seguida ser esconjurado, apertado numa sala escura e fria e atirado à rua. Para acabar com essa indelicadeza até se fez lei que obrigava a assembleia, qualquer que fosse, ao voto secreto em vez do braço esticado. Assim se deixava de corromper a liberdade e a democracia, porque o espartilho do dedo, estava modernaçamente arrumado e o voto secreto, sempre é secreto. Mas ouve gente e muito bem, porque só a si compete decidir como, que ousou desmontar a lei e, como sempre, em consciência, fazer como acha. Porque na nossa casa, mandamos nós.
Agora que o tempo parece que serenou e por isso os coirões se vão afoitando, desfiando e perdendo a vergonha, e mais do que isso, julgando que a memória se esgotou e apaga, pasmo quando leio no jornal de referência da república, que afinal o Secretário-geral do Partido Socialista, o nosso elegante Primeiro-ministro, José Sócrates, recomendou ao grupo restrito de dirigentes do partido socialista que decidiu do apoio ao poeta Alegre, que decida de braço no ar. Coirões, foi de rompante o que me ocorreu dizer. Coirões, digo e repito, para além de não saber se essa gente não incorreu na violação da sua própria lei.
O povo é sereno, bem sabemos. Basta ler nos nossos melhores do passado para sabermos como ao povo se contaram histórias, e continuam contando, que quer queiremos ou não, vão fazendo escola e mossa. Mas também é verdade que o povo volta e meia simplifica as coisas e com poucas letras consegue dizer verdades. Recordo-me neste instante, da que diz, com papas e bolos se enganam os tolos ou num adorno, neste tempo do foot, que com papas e golos se enganam os tolos. Mas neste instante, neste lugar onde não me escondo, apetece-me dizer que os coirões, com o anticomunismo e com bolos, lá vão enganando os tolos.
Fartai-vos vilões.

1 comentário:

João Henrique disse...

Fartai-vos até rebentarem, mas longe, por causa das moscas!

Um abraço.