sábado, 23 de abril de 2011

Abril sempre! (IV)


E o réu levantou-se com o aprumo e a dignidade das consciências tranquilas.
Jovem, tinha no olhar a limpidez dos íntegros e a altivez dos lutadores.
 - Nome, idade, filiação?
- Chamo-me Abril, nascido em 25 de 1974, filho da opressão e da miséria.
- Sabe do que é acusado?
- Confirmo, meritíssimos juízes que sei e me orgulho da sublime culpa.
Devolvi à flor a cor e o sentido, espalhei por todas o aroma inolvidável, iluminei-as com o sol da vida e da esperança, quebrei-lhes as algemas e as grades dos cárceres da tristeza, e as pétalas abriram-se libertas e as crianças sorriram. Ao vento dei a direcção e o pólen que fecundou a dignidade de néctar já esquecido
Fez uma pequena pausa e num tom calmo mas firme continuou:
Não sou herói nem mártir, mas a vida que em mutações constantes repele a cobardia e ao esgotar-se em sofrimento renasce impetuosa e firme, sugerindo de novo caminhos que só a bússola do sonho é capaz de encontrar.”
Os juízes entreolham-se; na assistência, uma jovem de beleza etérea, frágil embora, como tudo o que é puro, segue, letra a letra, o discurso vigoroso. É a Liberdade, sua irmã. Filha também de todas as quimeras, sem as quais a existência não tem sentido, sabendo-se que a nossa vida está orientada para o futuro que Lhe pertence.
A Liberdade, irreprimível, intemporal, questionou:
Porquê e em nome de quem nos julgam? Tempo perdido é o vosso. Sou parte dos subjugados pela ignorância quando dela consciência tomam e se libertam. Corporizo os seus anseios colectivos no Maio 1º, e posso renascer, e renasço sem dia ou mês anunciados.
Não se julga o sol e o luar e o bom-senso não questiona as estrelas, a brisa das manhãs ou o crepúsculo.
Em que instância se encontram a cobiça e a arrogância, irmãs daninhas, subvertendo indecisos, fracos e frustrados, arregimentando-os em legiões de corruptos?
Dado que libertas se encontram, decerto deixaram como caução a gula esfomeada que já vos subornou!
Abril retomou a palavra:
Um mês é sempre precedido de outro mês e de outros tantos como a eternidade, da opressão nasceu sempre a revolta tão natural como a água nas fontes. Julgando-me arrastam na vossa acusação, Maio meu irmão, e nossa irmã Liberdade que me abraçaram nesse reencontro que a memória retêm.
Senhores jurados, meritíssimos juízes duma causa também vossa; lembrem-se das lágrimas de alegria, da festa, da fraternidade que a todos envolvi quando cheguei, da solidariedade reencontrada, das canções, da alvorada de esperança que, perdendo-se, vos perde!
E justiça foi feita:
Abril, Maio e a Liberdade foram condenados a jamais se separarem, a lutarem eternamente, a nunca se curvarem e a serem amados para todo o sempre pelos que exigem dignidade e pão.
E assim será!

Sem comentários: