quarta-feira, 14 de março de 2012

Síndroma de Mamede

Augusto Alberto


Fernando Mamede foi um colossal atleta de rendimento, mas falhou, invariavelmente, como atleta de alta competição. Por uma vez, individualmente, conseguiu uma medalha de bronze num Campeonato do Mundo de corta-mato.
Contudo, fica para a história o estupendo recorde do Mundo na distância de 10.000 metros, com um tempo de 27’13” 81, obtido no dia 2 de Julho/1984, em Estocolmo. Esse recorde durou 5 anos e foi o ponto alto de uma carreira que teve o seu ocaso e epilogo nos Jogos Olímpicos de Los Angeles, nesse mesmo ano de 1984.

Fernando Mamede teve o condão de mobilizar milhares de portugueses, para uma longa noite, com hora apontada às 5 da madrugada. Foram longas horas de convívio, à volta de umas azeitonas, uns nacos de chouriço, queijo, pastéis de bacalhau, e umas garrafas de tinto e branco, na fiel esperança de ver subir Mamede e a bandeira das quinas ao ponto mais alto do pódio e do mastro. 
Para remate final, o superior gozo de ouvir a Portuguesa, nunca ouvida nestes fenomenais momentos. Mas Mamede, logo após o tiro de partida, refugiou-se na cauda do pelotão e, passadas poucas voltas, sucedeu o óbvio. Encovado e assustado, lavado em cansaço, virou à direita do corredor de competição e sumiu derrotado. O país ficou em pranto, porque o homem que nos desafiou, pela última vez, cedeu à sua síndroma. Sabe-se que os momentos pré competitivos podem dilacerar. Mamede não foi o último.
Cavaco Silva segue-o. Sim, esse. Quando é preciso que se agigante, que dê uma nota superlativa, dá-lhe também para as tremuras. Enrola-se em insónias. Sobe-lhe a temperatura e o suor deixa-lhe a pele viscosa. A boca seca e as mãos que agarram a caneta e marcam as ideias com o teclado no computador, tornam-se titubeantes. Obliterado o discernimento, a síndroma de Mamede faz nova vítima. Cavaco torna-se um simples, capaz, só, tal como Mamede, de ganhar quando sabe que à competição só vão os mais fracos.
De todo o modo, há uma diferença entre Cavaco e Mamede, com crédito para o segundo: Mamede foi uma excepcional máquina humana.

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