Augusto Alberto
Há uns anos apaixonei-me por um soberbo filme do iraniano
Abbas Kiarostami, que leva à descoberta de um jovem que na pré-adolescência se
fez às frias montanhas do Irão, na busca do sustento para si e para o irmão
mais novo, quase paralisado. Almocreve, num corpo frágil, protegido pelos seus
companheiros de esforço, homens retesados e lôbregos, assistiu a disputas de
fulgurante bestialidade de navalha e varapau.
Passava fome e frio, mas voltava
sempre a casa para revisitar, com desejo, o irmão acamado. Andasse por aldeias,
montes e vales, por três ou quatro dias, deixava tudo sustentado, para que ao
irmão nada faltasse. A sua estória é uma sucessão de comoventes actos de amor,
de um menino que nunca recebeu um beijo nem uma flor. Evidentemente que estes
irmãos são de uma montanha do longínquo eixo do mal, para onde fará sentido destacar
um enviado especial à hora do bombardeamento que antecede a ocupação por parte
de um exército expedicionário. Por isso, quem sabe, um dia a sua aldeia possa
ser vítima do efeito colateral, de bombas despejadas por um “drone”, à semelhança
do que sucede, com frequência, em aldeias dos vizinhos Iraque e Afeganistão.
Esses bombardeamentos, sabemo-lo, ficam sempre na opacidade, porque para o
asco, não há jornalismo especial.
Finalmente, ficaram os habitantes de Boston aliviados com a
captura do rapaz assassino, porque puderam voltar à normalidade da vida.
Jornalistas em directo, relataram até à náusea, factos, que em alguns outros
distantes lugares, afinal, são só ocorrências do mundo imperfeito.
Mas bom seria que o jornalismo pilha galinhas, que tagarela
sobre o “life style” na urbe, lhes explicasse e ao resto do mundo, que em
terras remotas existem semelhantes famílias que sofrem, especialmente se são
docíssimas mães, meninos de berço e leite ou anciãos cansados da vida, as vitimas
das bombas despejadas por um caça ladrão. Lá na montanha, não há a parafernália
de carros de exteriores e câmaras, para mostrar em directo, pessoas
ensimesmadas, a fazer o nojo do desatino, como nas majestosas catedrais da cidade.
Mas, todavia, existe gente, apesar de paupérrima e apertada entre a tenaz das
montanhas e intolerantes brutais. Gente nada “chiquérrima” e repulsiva, bem
sei, para os padrões coquetes da cidade e por isso, demasiado ultrajada, mas
alto lá, chega de cabotinismo.
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