sexta-feira, 19 de abril de 2013

Cantata à indiferença, seguindo o modelo de um poema de Martin Niemöller


Augusto Alberto


Primeiro, há 38 anos, num tempo em que engajamento não era fraseado nem rococó, cuidaram alguns cidadãos em dar à cidade o Hospital que necessitava e não tinha, dando vida, na Aldeia da Cova, aquele devoluto e plúmbeo edifício.
Mas eu não me importei.

Não era nada comigo, porque sempre fui tomado pelo mais fixo imobilismo.
De seguida, chegaram os primeiros operários que fizeram as primeiras adaptações, funcionários administrativos, funcionários do apoio, os primeiros médicos, os primeiros enfermeiros, os primeiros técnicos e os primeiros doentes e utentes.
Mas a mim não me importou.
Porque sou muito pouco dado a interpretações e só muito mais tarde adoeci.
Depois chegaram os sindicalistas,
Mas eu não me incomodei
Porque nunca fui sindicalista.
Logo a seguir, chegaram os padres, para dar conforto espiritual a quem dele necessitou e necessita.
Mas como nunca fui religioso, também não liguei.
Agora, que vou pagar o estacionamento do meu automóvel no espaço interno do hospital, quer seja eu médico, enfermeiro ou técnico de saúde, funcionário administrativo ou do apoio, utente, acompanhante ou visitante, começo a ligar.
Contudo, para desgraça, quando percebi, já foi tarde.


No escalrracho de uma imprudente e severa decisão como esta, há uns anos atrás, haveria pela frente um cabo das tormentas, asseguro eu, que trabalhei no Hospital Distrital da Figueira da Foz, 31 anos, embora nunca tenha tido automóvel. Sempre lá estacione o meu corpo, levado pelas minhas pernas, a penantes e de bicicleta, quer fizesse vento, chuva ou sol.
E agora, você aí, se tem pulmão e honra, ainda está a tempo de bufar. Ou como sempre, procura não se meter em sarilhos, a autêntica essência da vida, e espera que bufe o do lado? Mas se lhe falta coragem, então, vá, deixe o automóvel em casa e corra como eu corri e verá que para lá de poupar a moedinha, ainda lhe chegará maior felicidade.



Nota final: Que não apareçam desculpas, a coberto da ocupação dos espaços por parte de veraneantes. Isso é absolutamente mentira. Na Cova, o Verão são dois meses e nos restantes só há passantes.

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