domingo, 6 de abril de 2008

E sempre que Abril aqui passar… (II)


Fascismo nunca mais!
- Um episódio (mais um) do tenebroso regime do “Manholas” de Santa Comba


José Martins (in jornal “Barca Nova”, 19 de Dezembro de 1980)



Não constitui novidade para ninguém ter sido o regime de Salazar um regime castrador da livre expressão do pensamento.
Servido e suportado por um verdadeiro terrorismo policial, havia polícias para tudo. Para os jornais, por exemplo, os polícias eram conhecidos como censores, gente por norma rebuscada nas alfurjas mais ignorantes do exército devoto. Cortavam a esmo, na maioria dos casos sem mesmo saberem por que cortavam. Era essa ignorância, aliás, uma das características mais notórias do censor, íamos a dizer a condição sem a qual nenhum deles seria admitido para o desempenho da função. Coisa que não percebessem – e raramente eles entendiam fosse o que fosse – era certo e sabido: cortavam. A cortar levaram por isso meio século os polícias dos jornais, dos filmes, do teatro, das revistas e dos livros.
A denúncia pública de um bom número dos actos abjectos praticados pelos esbirros de Salazar e de Caetano, já veio a lume por diversas formas: reportagens, entrevistas, conferências e colóquios, de tudo um pouco tem havido por aí além. Mas trabalho sistematizado, pacientemente recolhido e seleccionado, é sem dúvida o que está a ser objecto (pelo menos nas intenções…) da Comissão do Livro Negro sobre o Regime Fascista. Com lacunas? É evidente que sim. Muita da documentação-base anda dispersa, o trabalho de recolha tem forçosamente de ser difícil e incompleto. Apesar disso, contudo, a comissão (que não pode dar por concluído o seu trabalho sem uma obra de fôlego sobre o terrorismo fascista) vem a dar-nos uma ideia suficientemente desenvolvida sobre a estupidez dos censores.
Primeiro foi a denúncia do processo da burla eleitoral durante o tenebroso regime; agora, em 2 tomos distintos, chegou a vez da política de informação. Seguir-se-à um novo volume, abordagem circunstanciada de uma nova temática: Livros proibidos no regime fascista.

Ora é precisamente de um deles, redigido por um figueirense adoptivo, que hoje damos conta aos nossos leitores, através do fac-símile de um ofício da Censura e das gravuras de 2 desenhos originais previstos para a referida obra: um, do talentoso caricaturista Francisco Valença; outro, do eminente cientista e homem de letras Abel Salazar.
A Liberdade e os humildes na obra de Eça de Queirós, da autoria de Rui Fernandes Martins, foi o produto de muito trabalho de um homem toda a vida preocupado com os problemas da cultura do nosso Povo, sobretudo do nosso Povo mais carecido de instrução. Ali defendia, Rui Martins, uma tese original e polémica acerca da obra do imortal romancista. Não foi possível, porém, a publicação da tese. Suspensa, primeiro, pela comissão de Censura de Coimbra, os serviços centrais, em Lisboa, não permitiriam depois a sua saída. Mas não ficou por aqui a canalha salazarista: dias após a recepção do ofício cujo fac-símile hoje publicamos, uma criança com 7 anos de idade escancararia as portas de sua casa a 3 cavalheiros que se disseram amigos e, segundo eles, precisavam de falar com o papá. Eram os 3 cavalheiros, agentes da PIDE; e logo 20 000 livros foram criminosamente derrubados das estantes; cerca de duas centenas, apreendidos; as gavetas da secretária arrombadas e revolvidas; Rui Martins levado para a prisão.
À distância de mais de 30 anos, o cidadão que na altura contava apenas 7 recorda comovidamente esse episódio do fascismo. Porque são coisas que realmente não esquecem. Ou melhor: porque são coisas que realmente não esqueço.

6 comentários:

Anónimo disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
Anónimo disse...

José Martins recorda o seu pai, o Prof Rui Martins, figura bem conhecida ao tempo da cidade e patrono da esocla primária que tem e merecidamente o seu nome.
JM

alex campos disse...

Foi por proposta do Dr. Joaquim de Sousa, então presidente da edilidade, que o nome do prof. Rui Martins foi atribuido à referida escola.
Num artigo, no BN de 3 de Setembro de 1982, José Martins escreve que quer Joaquim de Sousa quer o vereador da CDU, Augusto Menano foram alunos do professor.
Entre outras obras de Rui Martins,são citadas, naquele artigo, duas com histórias curiosas: "Gomes Leal - Breve Evocação da sua obra", redigida na cadeia, e "A liberdade e os humildes na obra de Eça de Queiroz", à qual se refere o post.
Como curiosidade, José Martins refere-se ao facto do prof. Rui Martins ter sido, na sua juventude, campeão nacional de Tiro (carabina livre) em representação do Clube de Tiro de Mortágua. Um extracto do artigo de Zé Martins:
"Rui Martins seviu desinteressadamente o movimento associativo local durante mais de meio século. Para além de sócio honorário ou de mérito de catorze colectividades, e de membro dos corpos gerentes também de mais de uma dezena, Rui Martins, com Cristina Torres, Albano Duque, Júlio Gonçalves, Rafael Sampaio (todos desaparecidos) e José da Silva Ribeiro, mestre de Teatro felizmente ainda vivo, souberam sempre levar durante a ditadura, às colectividades populares da nossa terra, duas palavras de aplauso e de incentivo".

Anónimo disse...

Isto já parece um fado da saudade permanente! Olhem prá frente, senhores!

Karelia Cigarettes disse...

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carlos freitas nunes disse...

Apenas para a frente olham os burros, olhar para o lado não podem, para trás também não. Como só olham em frente...observam os asnos que como eles, ao pensarem estar a olhar em frente, estão apenas a olhar para onde os deixam.