domingo, 7 de dezembro de 2008

Histórias de mineiros (V)

Augusto Alberto



Eram 10 a 12 horas dadas à mina. Oito horas eram passadas de picareta em punho, as restantes contavam-se na descida da superfície ao fundo e vice-versa e pelas enormes viagens pelos túneis de centenas de metros até se atingir o local exacto onde se iria manifestar a simbiose homem/carvão.
Logo pela manhã, 6, 6,30 horas, os mineiros depois do café com migas de broa ou da cachaça, matabicho, na tasca, lá iam pés descalços direitos á boca da mina, no Verão ou no Inverno ventoso do norte ou do vento do mar que arrastava consigo horas intermináveis de chuva copiosa e fria e que os molhava até aos ossos. Formavam bicha esperando o seu tempo de descida. As vagonas que carreavam 4 a 5 homens cada uma, numa velocidade lenta, aos sobressaltos, saltando por vezes dos carris entulhados com o carvão, embatendo nas escoras laterais e centrais, deixando os homens num sobressalto, lá iam poço abaixo.
O corredor era estreito e baixo; - tinha a largura de duas vagonas que viajavam em sentidos opostos e os homens tinham de viajar agachados evitando o toque no tecto.
Os poços desciam em plano inclinado, rasgando as entranhas da terra, alguns oceano dentro. Os tectos escorados com tábuas e barrotes eram o chão do mar. Lá por cima andava o mar revoltado ou brando, também ganha-pão duro para outros. E nos poços, de quando em vez, caíam grossas nuvens de água que molhavam os homens que na barriga da terra também buscavam o pão.
O chão dos túneis enormes, repletos de lascas de carvão e carregados de humidade, eram o tapete em que o mineiro se movia.
Os pés descalços ou protegidos por uns frágeis socos de madeira, iam chapinhando a água.
A carne dos pés rasgava-se no contacto com as lascas de pedra negra, a água de um negro barrento recebia o sangue e aparecia mesclada, tal como paleta com somatório de tons.
Corte em cima de corte, ferida em cima de ferida, não havia paragens. O sangue diluía-se na água, os pés atolavam-se, muitas das vezes o homem nem dava por mais uma ferida. Os pés grossos, gretados e deformados, eram um completo analgésico à dor.
E o sangue escorria e nem sulfamidas, mercúrio, um simples penso, para curar a carne rompida. O dia seguinte era a repetição do dia anterior.
Só passados anos e anos, com a chegada de um novo engenheiro à companhia, o mineiro passou a usar umas botas grossas, feitas de pneu. A “companhia” confeccionava-as e o mineiro, mensalmente, amortizava-as.
Ficaram os pés mais protegidos mas as marcas dos cortes, as deformações, lá estão. São como recordações vivas de um passado bárbaro. E o mineiro para que aquela vida fosse melhor entendida e a título de prova real, tirou o chinelo de enfiar e mostrou-me o corte no pé e o dedo deformado.
Não o fez por orgulho, mas por denúncia.

3 comentários:

Fernando Samuel disse...

Mais uma excelente história de mineiros.


Um abraço.

Anónimo disse...

Vida difícil a de mineiro, mal remunerada, e deixando masélas, para a velhice.
Abraço companheiro

dona tela disse...

Desculpe, mas ando com pouca inspiração.

Bom dia para si.