domingo, 21 de dezembro de 2008

Histórias de mineiros (VII)

Augusto Alberto

Eram bidons e latões de ferro espalhados por aqui e ali pelas galerias. Tinham uma função colectiva e neles os homens faziam as suas necessidades fisiológicas.
Destapados no geral e expostos sem serem limpos uma mão cheia de dias, 10 ou mesmo 15, ao ambiente quente e húmido da mina, exalavam cheiros podres e horríveis.
No interior dos recipientes negros e de uma imagem nauseabunda, pululavam em marcha serpenteante vermes viscosos e nojentos, marcando meandros na massa podre de dias imensos de repouso fétido.
A sua limpeza nunca era total. Subidos à superfície e virados a lixeira, era vazado o maior e a água raramente limpava as suas paredes e exteriores. Agarrados às paredes voltavam vermes e resíduos em crostas sucessivas, de uma massa, mescla de castanho, azul esverdeado e negro.
Os homens, uns atrás dos outros iam retomando a realização das suas necessidades, criando condições para a continuação do mesmo ambiente podre e soturno.
O mineiro de volta e meia sentia a ”caganeira”. A dor apertava a barriga e os homens lá corriam direitos ao latão, chapinhando na água da galeria e já com o cinto ou o cordel para não perder muito tempo. Depois vinham as fezes compactas ou meio aguadas que para ali ficavam depositadas em plataformas sucessivas durante tempos enormes.
Era como um ciclo quase impossível de modificar. Os homens habituavam-se, também eles, àquele ciclo de vida, permitindo que ele se realizasse regularmente.
Concomitantemente havia os barris com a água para saciar a sede ou para a lavagem do corpo. Também aqui havia uma situação semelhante.
Água fresca só no momento em que chegava ao fundo da mina.
Os homens iam bebendo a goles, sôfregos; iam lavando o corpo, até à total extinção da água dos barris. Podiam passar 10 ou mais dias.
A água tornava-se quente, podre, empoeirada.
Também os barris não eram limpos e no seu interior criava-se uma parede escorregadia de limos verdes. Com o tempo, poeira e limos somavam-se numa massa lodosa como a do fundo dos rios poluídos.
Assim vivendo, realizavam-se as 8 horas de trabalho e o ambiente era o ideal para doenças várias.
A doença pegava os homens. Ou era o corpo que tremia de sesões, como se um homem estivesse continuadamente ao frio e nem o bater sucessivo e sem garra da picareta na pedra lhe desse mais calor. De volta e meia vinham uns arrepios de frio mais intensos e, então, o desejo de parar; e porque as forças também se sumiam, o de deitar o corpo, esticado, num sono profundo e lânguido entre dois lençóis. Ou era a barriga em constante dor, inchada como bola de pedra, que nem o tronco se mexia em frente.
E a doença continuava. O frio, os suores, as dores, por muitos e muitos dias.

3 comentários:

Fernando Samuel disse...

Que dizer?: mais uma excelente história de mineiros - a lembrar-nos a luta que temos que continuar...


Um abraço.

Anónimo disse...

Vida bem dura a desses mineiros...
Aguardamos por mais, para que a memória perdure.
Um Abraço Compañero

Ana Tapadas disse...

Muitíssimo interessante.
Olha vou linkar o teu blogue. vi que já fizeste o mesmo ao meu, infelizmente passo sempre a correr, depois de longos dias de trabalho ou nalgum intervalinho...
Assim estarei mais atenta às tuas actualizações, pois gosto de te ler.
Feliz 2009. Saúde!