por Augusto Alberto
Numa madrugada radiosa de África, foi um grupo de seis furibundos fundistas, numa carrinha de caixa aberta, sentadas em cadeira de pau, atadas aos taipais de madeira, para percorrer, ir e vir, 400 km, ora por estrada asfaltada, ora por picada, numa relação meio por meio, embrulhados em pó e sede, rumo à vila do Mussuril, terra sem estrada asfaltada mas com uma longa avenida em terra batida que desaguava no majestoso Índico. Um local idílico e celestial. Outras picadas se uniam a essa enorme avenida, e por ali se fez o grande prémio da Vila em atletismo. Escusado será dizer que essa equipa de fundistas ida da cidade capital provincial, Nampula, sem descanso e sôfrega por água, foi “esmagada”sem apelo. A equipa do “pé descalço” do Mussuril, foi formada por nativos recrutados e treinados por uma personagem parda, um alto quadro do governo “provincial”, apaixonado pelo atletismo e em particular pela área dos lançamentos, dado que era homem alto e forte. Dado de barato o resultado, sem importância, fica-me o gozo de ter participado em tamanha aventura e experiência.
Mais tarde esse alto quadro foi colocado em Nampula e logo tratou de preparar um triangular, disse-nos, Moçambique, Rodésia, Malawi. Para formar a equipa de Moçambique, tratou de recrutar os seus atletas do Mussuril e colocá-los na cidade de Nampula em condições indignas e encarregou-me de os enquadrar e treinar do ponto de vista técnico e físico. Um dia, deparei-me com a recusa ao treino. Perguntei-lhes porquê? Muito justamente, tinham fome e desejavam voltar à sua terra. O alto quadro não estava a cumprir o seu papel de acolhimento, como era então usual à época e no lugar. Sosseguei-os e garanti-lhes que iria tratar do assunto. Dirige-me ao senhor e indiquei-lhe que teria de assumir o compromisso tido com aquela gente, que para ele, evidentemente não seria, e o mais adequado era de imediato dar-me dinheiro para que o pudesse levar às pessoas para poderem comprar o seu alimento tradicional, arroz e peixe seco e de seguida devolve-las à sua terra, porque não era possível continuarem daquele modo abjecto e o triangular parecia-me ser uma treta. Mas não foi. Foi o modo da personagem engrossar mais um pouco à custa de dinheiros públicos. Este jeito já tem barbas. Tudo acabou de modo breve.
Quero aqui dizer que Moçambique basicamente não tinha indústria transformadora, mas possuía já na altura, estruturas pesadas, portos de águas profundas, como os de Lourenço Marques e Beira e uma longa rede de caminhos-de-ferro. O comboio transportava os recursos naturais e os portos tratavam do seu escoamento para o Mundo. Nesta matéria, é bom dizer, muitos dos recursos naturais nem pela “metrópole” passavam, rumavam direitos a outras paragens. E do respeito pelas pessoas, como aqui dou nota, uma falácia.
Se darem por esta realidade, a qualidade de vida das classes alta e média, ocidental e da Europeia em particular, foi feita à custa dessa bravata colonial, feita da sistemática, cruel e nunca assumida pilhagem. Armando de Castro fala-nos dessa realidade na sua obra, o sistema colonial Português em África. Aliás, é bem sabido como os quadros da administração colonial inglesa eram de fina linhagem e é bom não esquecer a cruel política, feita através do método da canhoneira, executada pelos americanos em toda a América Latina, ou quase toda. Fica de memória a exploração petrolífera e mineira, e recordo aqui, muito em particular, a bestial política negreira da United Fruits, que enriqueceu à custa do trabalho escravo. Boa parte desta classe média sempre educada a olhar para o seu umbigo e sistematicamente convencida de que vive de modo celestial, está hoje à rasca e tonta e novamente sem perceber nada mas sempre disponível para embarcar nos cantos do primeiro trauliteiro que lhe apareça.
Ao que se diz a crise de hoje não é da produção nem dos mercados, mas da especulação financeira sobre a riqueza criada. Talvez assim seja, mas também me parece que as dificuldades em pilhar os recursos naturais são hoje maiores. Alguns países e povos sistematicamente pilhados, começam hoje a dar sinais de querer comandar os seus destinos, apesar de multiplicas dificuldades e contradições. Oxalá vingue…
Quero acabar, com as palavras do título, citando uma bela poesia de Mário de Andrade, para que, ao contrário das palavras, no contexto da época, se fale para sempre:
Numa madrugada radiosa de África, foi um grupo de seis furibundos fundistas, numa carrinha de caixa aberta, sentadas em cadeira de pau, atadas aos taipais de madeira, para percorrer, ir e vir, 400 km, ora por estrada asfaltada, ora por picada, numa relação meio por meio, embrulhados em pó e sede, rumo à vila do Mussuril, terra sem estrada asfaltada mas com uma longa avenida em terra batida que desaguava no majestoso Índico. Um local idílico e celestial. Outras picadas se uniam a essa enorme avenida, e por ali se fez o grande prémio da Vila em atletismo. Escusado será dizer que essa equipa de fundistas ida da cidade capital provincial, Nampula, sem descanso e sôfrega por água, foi “esmagada”sem apelo. A equipa do “pé descalço” do Mussuril, foi formada por nativos recrutados e treinados por uma personagem parda, um alto quadro do governo “provincial”, apaixonado pelo atletismo e em particular pela área dos lançamentos, dado que era homem alto e forte. Dado de barato o resultado, sem importância, fica-me o gozo de ter participado em tamanha aventura e experiência.
Mais tarde esse alto quadro foi colocado em Nampula e logo tratou de preparar um triangular, disse-nos, Moçambique, Rodésia, Malawi. Para formar a equipa de Moçambique, tratou de recrutar os seus atletas do Mussuril e colocá-los na cidade de Nampula em condições indignas e encarregou-me de os enquadrar e treinar do ponto de vista técnico e físico. Um dia, deparei-me com a recusa ao treino. Perguntei-lhes porquê? Muito justamente, tinham fome e desejavam voltar à sua terra. O alto quadro não estava a cumprir o seu papel de acolhimento, como era então usual à época e no lugar. Sosseguei-os e garanti-lhes que iria tratar do assunto. Dirige-me ao senhor e indiquei-lhe que teria de assumir o compromisso tido com aquela gente, que para ele, evidentemente não seria, e o mais adequado era de imediato dar-me dinheiro para que o pudesse levar às pessoas para poderem comprar o seu alimento tradicional, arroz e peixe seco e de seguida devolve-las à sua terra, porque não era possível continuarem daquele modo abjecto e o triangular parecia-me ser uma treta. Mas não foi. Foi o modo da personagem engrossar mais um pouco à custa de dinheiros públicos. Este jeito já tem barbas. Tudo acabou de modo breve.
Quero aqui dizer que Moçambique basicamente não tinha indústria transformadora, mas possuía já na altura, estruturas pesadas, portos de águas profundas, como os de Lourenço Marques e Beira e uma longa rede de caminhos-de-ferro. O comboio transportava os recursos naturais e os portos tratavam do seu escoamento para o Mundo. Nesta matéria, é bom dizer, muitos dos recursos naturais nem pela “metrópole” passavam, rumavam direitos a outras paragens. E do respeito pelas pessoas, como aqui dou nota, uma falácia.
Se darem por esta realidade, a qualidade de vida das classes alta e média, ocidental e da Europeia em particular, foi feita à custa dessa bravata colonial, feita da sistemática, cruel e nunca assumida pilhagem. Armando de Castro fala-nos dessa realidade na sua obra, o sistema colonial Português em África. Aliás, é bem sabido como os quadros da administração colonial inglesa eram de fina linhagem e é bom não esquecer a cruel política, feita através do método da canhoneira, executada pelos americanos em toda a América Latina, ou quase toda. Fica de memória a exploração petrolífera e mineira, e recordo aqui, muito em particular, a bestial política negreira da United Fruits, que enriqueceu à custa do trabalho escravo. Boa parte desta classe média sempre educada a olhar para o seu umbigo e sistematicamente convencida de que vive de modo celestial, está hoje à rasca e tonta e novamente sem perceber nada mas sempre disponível para embarcar nos cantos do primeiro trauliteiro que lhe apareça.
Ao que se diz a crise de hoje não é da produção nem dos mercados, mas da especulação financeira sobre a riqueza criada. Talvez assim seja, mas também me parece que as dificuldades em pilhar os recursos naturais são hoje maiores. Alguns países e povos sistematicamente pilhados, começam hoje a dar sinais de querer comandar os seus destinos, apesar de multiplicas dificuldades e contradições. Oxalá vingue…
Quero acabar, com as palavras do título, citando uma bela poesia de Mário de Andrade, para que, ao contrário das palavras, no contexto da época, se fale para sempre:
Foi a estiagem
E o silêncio depois.
E o silêncio depois.
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