domingo, 15 de novembro de 2009

País de sucata

A propósito da sucata, e dos sucateiros, começarem a usufruir de uma certa importância na condução dos destinos do país, é bom lembrar que há “objectos” que são transformados em sucata pela simples razão de que não há inteligência ou sensibilidade ou interesse para os preservar, atendendo, justificação suficiente, à memória histórica que transportam.
Aqui ficam uma fotografia de João Viana e um texto de Carlos Freitas.



"Para quem não saiba os barcos também se abatem. Morrem e são enterrados em cemitérios que podem ser encontrados um pouco por todo o lado junto às cidades portuárias. Mostramos um desses cemitérios na Figueira da Foz, desencantado pelo olhar do "shipspotting" e fotógrafo figueirense João Viana. A sua fotografia mostra em primeiro plano a "campa" onde jaz a antiga piloteira "Coutinho Garrido". Esta embarcação esteve ao serviço da corporação dos Pilotos da Barra da Figueira da Foz durante boa parte do século XX. Ultrapassada a sua época esta lancha-piloteira, assim é designado este tipo de embarcação que transporta os pilotos da barra a bordo dos navios comerciais que pretendem demandar o porto, fornecendo todas as orientações para as manobras de passagem da barra figueirense, zelando igualmente pela segurança da navegação no interior do estuário, por vezes, e isso verificou-se em muitas ocasiões, esta serviu também como rebocador, acabou por vir morrer aqui. Ostenta (ostentava) o nome de um prestigiado oficial da Marinha portuguesa, encontrando-se no estado de conservação que se pode observar. Aguarda, muito provavelmente, que o camartelo do progresso avance na margem sul do Mondego. Raras são as cidades que ostentam vestígios do seu passado recente que não procurem preservar. Algumas cidades contudo deixam morrer esse património identitário. A Figueira da Foz é uma delas. Cidade pobre em monumentos deixa morrer pequenas jóias que podem (e deviam) ser reabilitadas, contribuindo deste modo para a preservação da memória de uma das instituições mais importantes localmente: o seu porto. As novas gerações figueirenses desconhecem a história e significado do porto da cidade onde crescem e vivem muito por culpa deste enorme descuido na preservação do seu património físico. Os barcos são parte integrante da paisagem local, da história e memória figueirense. A "campa" da "Coutinho Garrido", mostra que esta se salvou, até hoje, de ir parar à sucata. Talvez algum estranho desígnio a tenha enviado para este cemitério à espera de ser ressuscitada. Quando? "

3 comentários:

Ana Tapadas disse...

Adoro esta tua ironia!
bj e bom Domingo

Guimaraes disse...

Há cidades que preservam e honram a sua memória naval, como Viana do Castelo com o "Gil Eanes" ou Ílhavo com o seu Museu Marítimo e o bacalhoeiro "Santo André". Outras constroem uma "Barca do Sal" para apodrecer e fazem por esquecer o passado que lhes deu razão de existir.
Como o povo é soberano, de quem será a culpa?

Elias disse...

Como posso contactar o Sr. João Viana.

Sou modelista e gostava de fazer um modelo deste barco, mas, só com uma foto não chega será que ele tem mais?