domingo, 29 de agosto de 2010

O campo da morte lenta (4)

Poema do amor louco para a amada que não existe

Podes crer, amor
Que não existe,
Quando eu sair
Serei um louco
Como nunca viste
Louco tão louco
Ao pé de ti,
Que se for de noite
Saberei sorrir
Com tua luz;
E se for de dia,
Daí saberei
Fazer a noite
Nos teus cabelos…
Podes crer amor
Que não existe,
Quando eu sair
Serei um louco
Como nunca viste
Louco tão louco,
Que meus anelos
Farão tua flor
Tão bem florir
Sangue e promessa,
Que bem saberemos
Então, dois loucos
Loucos tão loucos
Quando eu sair
E sem limite
Podes crer, amor
Que não existe,
Pois nada tememos,
Seja morte ou dor,
Que nos evite:
Quando eu sair,
Então dois loucos,
Loucos tão loucos
Seremos bem…
E na tua flor,
Acredita, amor
Que não existe,
Abri-te, então,
Em gota de sangue,
O que daremos
Ao fruto-promessa
Do nosso amor:
A desconhecida
Hieracite.

António Cardoso (poeta angolano, 1933-2004)
Cela disciplinar do Campo de Concentração do Tarrafal, em 19-11-1970

1 comentário:

Fernando Samuel disse...

Belíssimo poema de um dos maiores poetas em língua portuguesa.

Um abraço.