Augusto Alberto
A classe média, obcecada em não se meter por atalhos e que vive prazenteira das migalhas deixadas pela elite, levou um violento murro no estômago. Elevado a uma potência acima, o oportunismo dá sempre um encontro muito violento com a História. E por isso, cá estamos. Eu e você, excelente membro da classe média. A diferença é que eu estou consciente de onde vim e para onde vou. Vim dum país pelintra, sorumbático e iletrado. Cheguei com dores, mas com as costas e cara levantadas. Sou duro de roer e recusei os cantos de sereia. Disse não à banca e nem sei o que é o famoso dinheiro de plástico. Não tenho seguros, porque sempre tive a consciência de que sou eu que me tenho de segurar. Fiz uma casa quanto baste. Dei de barato o automóvel e privilegiei a bicicleta e as sapatilhas Nike.
E hoje, contundido, lá vou aguentando.
Agora tu, excelente classe média, sempre foste invejosa. Se o teu vizinho comprou um Audi, tu correstes a comprar um Mercedes. Passei por um lugar em que bastou chegar a primeira Toyota Hiace, para logo outras, de raiva, se seguirem. Se um cartão de crédito te enchia o ego, muitos enchiam muito mais. Deslumbrante, viveste obcecada com a vivenda de muitas assoalhadas. E, de 4 em 4 anos, nunca puxastes ao lado o teu voto, na esperança de receberes a migalha que vinha embrulhada nos cartazes do poder. Sei que nada aprendeste e que vozes de burro não chegam ao céu. Mas sou torrão, e desde já te volto a dizer o seguinte: O quadro em que vivemos é semelhante ao quadro que levou ao fim da monarquia. Ao fim da segunda república e ao advento de 48 anos de fascismo. E sobretudo à segunda guerra mundial, que deixou pedra ao lado da pedra. Deste ponto de vista, mesmo a contragosto, faz o esforço de acreditar que a nossa elite é uma merda, porque nos colocou neste lastimável estado, mas percebe, também, que estamos numa cruel crise do capitalismo. Ocupam-se praças e pontes, partem-se montras, queimam-se automóveis, mas a goldman sachs é quem manda nesta merda e os membros do clube bilderberg vivem em condomínios murados e a ira ainda não chegou ai. É bom que percebas que há a possibilidade do grande capital se enfaixar de novo, cornos com cornos. Não sei como, nem onde, nem quando, mas o melhor é estarmos atentos, eu e tu.
Em todo o caso, o capitalismo não se vai entregar e, neste entretanto, vai ser tentado a fazer a fuga em frente na busca de soluções, sempre tisnadas a sangue, que permita continuar a liderar. Com o petróleo a correr pelo coração, nada custa. Hoje estão a ser imolados os líbios e já se preparam as piras na Síria e no Irão. Mas porra, os novos boiardos russos são bem duros de roer. E os chineses têm as virtudes milenares da paciência e astúcia. E tu, que cultivastes uma astúcia de fancaria, é quase certo, vais continuar oportunista, errante e sem atinar com o tempo histórico. E, sem migalha hoje, e migalha amanhã, acabarás num vão de escada, com o pescoço na corda que passaste no barrote, ou na melhor das hipóteses, proletarizada e a recibo verde, ainda que custe dar razão a Marx, que nunca leste. Mas olha que dava jeito! Não é, Lenine?
1 comentário:
Brilhante como foi descrita toda a minha envolvência nos últimos 28 anos
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