segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Sem as unhas pintadas

Augusto Alberto

É possível a partir de uma simples equação compreender sociologicamente a vida? É possível, sim senhor. Por exemplo: se seis pessoas partilharem igualitariamente entre si três galinhas, quer dizer, que cada pessoa comeu meia galinha. Mas se pelo contrário, se das seis pessoas, uma só, comer 2 galinhas e meia, o que sobra para cada um dos outros cinco é a irrisória e viciada percentagem de 6.6 % da galinha. Os últimos anos da vida colectiva portuguesa assemelham-se a esta disfunção distributiva, como no tempo do fascismo, em que uma elite (1%) abocanhava a grande fatia da riqueza colectiva produzida. Mas há pior. O Haiti, aquele país no mar das Antilhas, sempre muito dado às maiores desigualdades sociais e capitalistas, que parece nunca preocuparam espíritos democratas, nem mesmo durante a sangrenta ditadura dos Papa Doc, ou agora, após o demolidor terramoto. Terra em que um punhado de raposas, tomou sempre para si a totalidade do galinheiro, enquanto muitos haitianos na esperança de se manterem em pé, para lá dos 57 anos de vida, fazem bolachas de terra negra, manteiga vegetal e sal, descobrindo, cedo, afinal, o caminho para a morte.
Mais imaginemos, que num pobre e pequeno lugar do mundo, não são três as galinhas, mas duas as que são distribuídas para 6 pessoas. Quer dizer, que cada uma não chega a comer metade da galinha, mas que são repartidos equilibradamente, 0.33% por cada pessoa. Poderá dizer-se que assim ninguém se empanturra. É certo. Mas nesse bocado de terra, segundo o PNUD e The World Factbook/97, publicado pela CIA, não existem analfabetos, a média de vida é de 75 anos para os homens e 79 para as mulheres, e foi desenvolvida uma considerável capacidade de pesquisa científica, sobretudo na área da biotecnologia. Essa é a terra em que o equilíbrio na distribuição da riqueza está, quase, quase…
Contudo, senhora que há anos conheci e que milita num clube de serviços onde aporta a média/alta burguesia urbana, contou-me que na terra do quase, quase se lhe desapontou a vida, porque procurou insistentemente e em vão, rímel para as unhas e camisas lacoste para a praia. Fiquei a cismar, que em boa verdade, não há no mundo local perfeito, nem mesmo nesse local do quase, quase, apesar dos seus meninos terem direito à totalidade das calorias que constam da boa carta da saúde e em que a taxa de mortalidade infantil, em linha, só é superado nas Américas pelo Canadá, mas ocorre, ainda assim, uma pobre disfunção: as meninas da escolaridade obrigatória deitam-se sem as unhas pintadas.

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