quarta-feira, 11 de abril de 2012

Augusto Alberto: "Em Portugal, infelizmente, o Remo ocupa um lugar secundário"

Entrevista

Augusto Alberto é o treinador de Filomena Franco, a atleta da selecção paraolímpica que irá disputar os próximos jogos, em Londres, e que, recentemente, como fizemos referência, passou a representar a Naval 1º de Maio.
Com a proximidade do maior evento desportivo do planeta, quisemos saber como decorre o projecto, das possibilidades do remo português, bem como do seu futuro.

- Que objectivos estão traçados para a tua atleta, ou, por outra, que perspectivas existem?
- Manter o lugar conseguido no último campeonato do mundo será um bom resultado. Ainda que um lugar acima, vitória na final B, ou seja, o 7º lugar, seja possível.
Aliás, um resultado entre o 4º e o 8º dá direito a diploma olímpico, que em caso de continuidade com vista aos próximos jogos permite a bolsa olímpica. Mas sabemos que os países que realizam um recrutamento orientado, procuram atletas com um grau de deficiência o mais baixo possível, o que permite níveis de utilização motora mais eficazes. Infelizmente a Filomena, com um grau de deficiência alto, não é beneficiada. Assim, a obtenção de um diploma seria um grande resultado.
Porque é bom lembrar que a Filomena utiliza unicamente os braços e as espáduas para mover o seu barco. Está impedida, porque a lesão é demasiada alta, de utilizar um pouco que seja o tronco. As suas adversárias levam vantagem porque conseguem, muitas delas, utilizar algum tronco, apesar de tudo.

- Tendo em conta esses condicionamentos, os resultados não têm sido maus. Permitem acreditar ser possível chegar à Final A?
A atitude da atleta perante o treino e a competição sempre foi de total empenho, e a partir do momento que as suas competências se valorizaram colocou-se ao nível de uma atleta de alto rendimento e alta competição. O volume de treino está em linha com o que de melhor fazem os melhores atletas. O número de treinos semanais oscila entre os 11, 12, quatro horas diárias em média… um volume de treinos de cerca de 15 quilómetros diários a que se soma o treino de força.
Normalmente faz 3 competições internacionais por época. O volume e a qualidade de treino visam evidentemente tentar estar presente no dia 3 de Setembro na final que decide as medalhas. Acontece que temos a consciência que a tarefa é enorme. Repito, um resultado que permita o diploma paraolímpico será um grande resultado.
De qualquer maneira, para além dos resultados desportivos ficam também, para a atleta, os grandes ganhos físicos e na auto-estima, que é coisa que não pode ser esquecida.

- Impossível não falar, uma vez que com a dita crise se investe menos na cultura e no desporto, nos apoios que têm. Já que é público que há muitas federações de modalidades amadoras em dificuldades.
A Federação Portuguesa de Remo considerou desde a primeira hora muito importante este segmento do remo, muito valorizado pelo facto de a modalidade passar a fazer parte do programa olímpico. Contudo, apesar do reconhecimento federativo, o percurso tem tido algumas dificuldades, sempre ultrapassadas com a vontade da atleta, do treinador e da Federação.
A atleta, desde Dezembro de 2010 é credora de uma bolsa mensal atribuída pelo Comité Paraolímpico Português. De momento, tudo, do ponto de vista material, estrutural e logístico, está garantido até ao fim do projecto.

- A Filomena passou a representar a Naval. Este facto não quererá dizer que depois do teu percurso pela Federação, desde a selecção A, a selecção sub-23 e agora a paraolímpica, estará a ser ponderado o teu regresso ao clube? Ou pensas continuar para outro ciclo olímpico?
O quadro competitivo oficial em Portugal destina-se à competição de clubes, pelo que em competição oficial não há lugar à competição individual. Entretanto, a relação com o clube de origem, por razões que não vêm ao caso, acabou. E assim, havia a necessidade da atleta se filiar na FPR representando um clube, sob pena de não competir em Portugal. O que seria um erro e uma vergonha porque estamos a falar da atleta mais qualificada do remo nacional.
Estando nós em Montemor-o-Velho a treinar seria óbvio ser o clube de lá a beneficiar com a atleta, mas, por contra-senso, lá não há remo. E, como aconteceu muitas vezes que viemos para a Figueira para fugir ao frio de Trás-os-Montes, a Naval sempre disponibilizou as suas instalações náuticas. Foi uma razão justa para escolhermos o clube.
Agora, não será correcto fazer uma avaliação idêntica em referência ao treinador. É muito cedo para decidir. Mas, por precaução, sigo a velha máxima, a casamentos e baptizados não vás sem seres convidado. Aliás, começa, ao cabo de mais de 35 anos, a ganhar vontade, apesar de estar nos 63, de voltar à velha paixão, a corrida. A serra e a praia esperam que volte.

- Então, a continuidade na selecção, para outro ciclo olímpico, está posta de parte?
Bem, a atleta em Londres fará 37 anos. Terá 41 no Rio de Janeiro. Será demasiado velha? Superará a qualificação em 2015? Esta é a dúvida que se lhe coloca. E se obtiver uma classificação que lhe garanta, em caso de continuidade, a bolsa olímpica, o que fará? Só a atleta pode decidir, naturalmente.

- Que futuro para o remo português, como modalidade olímpica?
O Remo, no quadro do movimento olímpico, é uma das principais modalidades. Aliás, na Nova Zelândia é a principal e em países como Estados Unidos, Inglaterra, Alemanha, holanda, Roménia, Grécia, Eslovénia, etc, o peso da modalidade no conjunto das restantes é muitíssimo grande.
Em Portugal, infelizmente como muitas outras, ocupa um lugar secundário. Sabe-se das enormes dificuldades que passa a totalidade das modalidades amadoras. Contudo, apesar de não ser uma modalidade de massas, porque não se pode remar em todos os lados, a modalidade tem crescido, sobretudo no segmento de remo para veteranos, o que é muito curioso. Mas também é verdade que a modalidade, desde algum tempo, salvo duas honrosas excepções, o double-skull olímpico e a Filomena, é uma modalidade para consumo interno. Creio mesmo que temporalmente as coisas têm vindo a acentuar essa negação.
Não basta ser campeão nacional ou ganhar a competição que dá acesso à equipa nacional para qualificar o atleta. Desde esse estádio até ao momento da plenitude internacional vai ainda um longo tempo. As competências decorrem de longos anos de trabalho. O actual modelo não ajuda a qualificar os atletas com vista a uma carreira internacional.
Mas o remo vai ter em breve uma oportunidade única. No fim do ano, em linha com o início do novo ciclo olímpico, o remo terá oportunidade de tomar posse do CAR em Foz Côa. Estarão reunidas as condições estruturais, logísticas, financeiras e, sobretudo, um plano de água de excepção e único para que a modalidade possa ir à procura de um novo modelo de alta competição, muito próximo do que de melhor se faz na modalidade.
Desse modo, a potenciação de resultados internacionais e a boa imagem desportiva dos seus melhores atletas trará para a modalidade novos benefícios.
Não aproveitar o que de bom ali se está a fazer será pura incompetência e a modalidade pagará caro.

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