Augusto Alberto
Gaspar falou e um pouco depois,
um cidadão, que eu vou tratar por António, entrou numa grande superfície da
minha aldeia e esperou por alguém que lhe parecesse poder vir em seu socorro.
Invento aqui, também, um nome para uma mulher real. Maria! António abordou
Maria. António disse a Maria: “minha
senhora, tenho muita fome, ajude-me”. Maria rodou, olhou António e ficou
atónita. António renovou o seu pedido: “Tenho
fome!” Maria cuidou-se e disse a António para a seguir. António seguiu-a e
parou, porque Maria mandou. António esperou. Maria entrou na grande superfície
a retalho. Maria encheu um saco com pão. Maria juntou 4 latas de atum. Juntou
ainda uma lata de salsichas. Passou pela caixa. Contou a história à menina da
máquina registadora. Maria pagou. Maria saiu e chamou António. António recebeu
o quinhão de Maria. Maria chorou. António agradeceu, porque Maria lhe adiou a
morte antes do tempo certo.
Não sei se António, nome
inventado que dá corpo a uma história verdadeira, alguma vez viveu acima das
suas possibilidades. Se viveu, deu um rotundo trambolhão, e sente a pior das
lições. Que se pode ir directo à condição de faminto, equação complexa, sem
dúvida, sem ter passado pela proletarização.
Também não sei se António, por
ventura, acreditou em algum momento, nos contos de cavalheiros de colarinho
branco, que o levaram a ser, um, entre os milhões inamovíveis, que pelo voto,
alimentaram a alimária do bloco central, que lhe cantou patranhas
social-democratas, liberais ou neo-liberais, de um mundo novo, repleto do
supérfluo, que é a marca de ferro deste capitalismo fraudulento, canibal e
terrorista. Nem sei se um dia António, disse: “não voto, vou para a praia”.
O que eu sei é que António
vagueia pelas entradas das grandes superfícies, à procura de quem lhe adie a
morte. Talvez um dia, de tão farto e sem esperança, acabe num mergulho, atirado
do alto da ponte que liga as duas margens do rio da minha aldeia. Então este
rio ficará também a saber que por causa de uns tipos que só conseguem ver o
mundo segundo modelos matemáticos, que negam a vida, António resolveu rebentar
com as entranhas na água que corre direita ao mar. E o rio da minha aldeia,
mais uma vez, tingir-se-á de sangue. E o sangue mais uma vez, ficará
encurralado num baixio, tal como em baixio está encurralado António.
O rio que banha a minha aldeia,
não é cruel e reaccionário. Há um lugar, inclusive, onde é tido por Bazófias.
Cruéis e reaccionárias são as universidades que ensinam estes modelos
matemáticos, que, quando postos a caminho, acabam por trazer a morte antes do
tempo certo. Na verdade, a elite lançou mais uma vez, um manto negro sobre
Portugal.
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