domingo, 20 de janeiro de 2013

Da bicicleta ao chão


Augusto Alberto
   

Será assim tão fácil que um lavrador, um sapateiro, ou não importa quem trabalhe noutro ofício possa ser ao mesmo tempo um bom jogador de damas ou dardos se não se dedicar a isso e a nada mais, desde a sua infância, mas apenas jogar ocasionalmente? Platão, percebeu, há mais de dois mil anos, que para se ser um excepcional desportista, tem de se ser um profissional. Esta observação, destrói delírios e equívocos, muito comuns, a quem acredita, nesta área, na sorte e em anjos.
Delírio e equívoco é julgar que se pode vencer a Volta à França, Espanha ou Itália, ou duas, no mesmo ano desportivo, fazendo unicamente apelo ao profissionalismo probo e estóico. Comendo pela manhã suculentas taças de esparguete, durante a etapa barrinhas energéticas e, antes do deitar, outras tantas taças de esparguete.
Armstrong, depois de muito instado, foi claro. Tripudiou sobre a verdade desportiva, porque as cargas emocionais e a necessidade de recuperar, tão rápido, entre somadas agressões fisiológicas, como as sucessivas etapas de montanha, no sentido de manter pleno o espectáculo, é tão necessário, sem a qual as mensagens que sublinham esta economia desportiva  não passarão.
Ninguém fica agarrado à transmissão de uma etapa numa grande volta se os artistas, acabarem exauridos e com a bicicleta pela mão. O jogo precisa de explorar paixão, agilidade, loucura, drama, táctica e estratégia de equipa e resposta, dos pontos de vista físico e emocional. De outro modo, quem aposta? Viciado o jogo, é verdade, e por isso, Armstrong foi arrojado sujeito principal e ao cabo de 7 memoráveis anos, acabou vítima e vilão. Mas o espectáculo, furioso de beleza física e emocional, tem de continuar, nem que para isso tenha de se auto-regenerar e, de quando em vez, um dos melhores tenha de cair para dar a imagem de que o negócio é de confiança.
Este jogo, sem jokers, será um fracasso. No ciclismo de ponta não existe o clube como ideologicamente e emocionalmente o conhecemos. Há marcas. Como o caso da equipa Rabobank, associada ao banco do mesmo nome. Ameaças de retirar o ciclismo do movimento olímpico, como já ouvi, são pura rábula. Os interesses estruturais e económicos, são mais poderosos.    
Mas façamos, também, o exercício da transumância dialéctica, passando do doping fisiológico ou mecânico, para o político. Desiluda-se quem acha que a canalha colaboracionista se manteria à tona sem a grotesca pata, diga-se "doping", colonial do FMI e comunidade europeia. 
Nem o Partido Socialista. Diga ele que vem dar uma mão ao terror capitalista sem emborcar o “doping” axaropado do socialismo de rosto humano ou em liberdade, e logo verá como cai da bicicleta ao chão.