terça-feira, 20 de abril de 2010

Não foi no futebol. Porque haveria de ser?

Augusto Alberto

O Edu de Chaves, com os dois golos com que o Desportivo eliminou a Associação Naval 1º de Maio na meia-final da Taça de Portugal, ia abrindo por cá a discussão que há muito está fechada. Infelizmente, essa eminência não registou continuidade, e, ainda assim, esse curto fogacho foi feito de modo enviesado, como se tudo ficasse resolvido com a construção de um estádio, ainda que pequeno, para multidões que na maior parte das vezes não chega ao meio milhar.
Registo a este propósito a opinião do meu amigo Alex Campos sobre esta matéria, que defende que o futebol nesta terra seca tudo o que está à volta. Com efeito, entendo que este raciocínio é verdadeiro mas claramente curto. E porquê? Porque eu acho que é precisamente o futebol nesta terra que está, ou está em vias de estar, ele próprio, seco.
Vamos então à discussão, ainda que eu esteja, bem sei, a meter-me por atalhos.
Primeiro, será preciso dizer que não chega ter um estádio, ainda que pequeno, para que o futebol e a colectividade que o suporta, estejam a salvo. Se partirmos para a análise segundo três variáveis dinâmicas - as forças, as fraquezas e as dúvidas - logo verificamos que é melhor pensar que o tempo começa a ser escasso.
A propósito das duas primeiras dou um exemplo, para facilitar o entendimento:
No contexto das minhas inúmeras experiências, recordo a visita a um clube na cidade de Gant, na Bélgica. Numa sede, em que as madeiras, com quase 150 anos, continuavam a falar com as pessoas e a vida. Em cada mesa, muitas, havia gente simplesmente a tomar um café ou a refeição, e, à volta, a tertúlia. Ali estavam pessoas e afectos, que o tempo foi consolidando. Muita daquela gente esteve mobilizada para o evento internacional que ali se estava a realizar. Em resumo, aquele clube, para além da história, tinha quadros que respondiam pelo seu papel social. Ora, nos antípodas, convém perguntar como quer um clube, com história evidentemente, responder pelo presente e futuro se a possibilidade de beber um simples café e fazer desse acto um momento de afecto, não ser possível e em que a sua resposta social é claramente escassa? Esse é um clube em que a variável força é mais do que duvidosa, mas a variável fraqueza é muito clara. A terceira variável, a dúvida, também infelizmente não existe, pelo simples facto de pelo menos há trinta anos a discussão ter sido fechada. Recordo a figura de um homem muito influente, simultaneamente Presidente da Câmara e da Assembleia Geral da A. N. 1º Maio, que sempre fechou qualquer tipo de discussão à volta do clube. Em tempo de eleições, navalistas de corpo e alma assumiam que votar no presidente Aguiar era votar na Naval. A vida veio provar que a discussão fechada e as opções tomadas se revelaram do ponto de vista histórico, oportunistas. Aguiar procurou sempre solução para salvar unicamente o futebol. E neste contexto, quero aqui lembrar a péssima experiência que foi a passagem do Eng.º Vítor Duarte, empresário da construção civil, que cedo percebeu ao que tinha ido e rapidamente abandonou o clube, deixando-o à mercê de uma profunda crise. Foi evidentemente necessário procurar nova solução e ela recaiu no actual presidente, Aprigio Santos, que na perspectiva da salvação oportunista do futebol, foi um verdadeiro achado. Mas a pergunta que aqui deixo, é a de saber que clube se quer? E porquê? Porque no contexto de uma cidade como a Figueira da Foz, só há um modo de um clube se tornar importante. Pela sua oferta e comprometimento social, que inevitavelmente construirá afectos, quadros e respectiva dinâmica desportiva e social. Deste ponto de vista, o outro clube da cidade bem cedo percebeu como deveria agir, com todo o propósito. A tentativa de construir um clube assente na retórica do futebol, empresa/espectáculo, será sempre uma opção que um dia se mostrará trágica, porque de um modo geral, as pessoas só em caso de vitória se reunirão à volta desse clube, na esperança de serem sujeitos da partilha psicológica, também, dessa vitória. Ora, manifestamente não é o caso. A Associação Naval 1º de Maio, não está no futebol para ganhar o que quer que seja, como muito bem ficou demonstrado na última meia-final da Taça de Portugal. E por isso, ainda que desgoste, estamos claramente a chegar ao momento em que o tempo e a vida se tornarão um beco sem saída ou de saída difícil. Porque como muito bem dizem alguns navalistas, poucos, com quem às vezes partilho algumas ideias, o tempo do futebol, peço desculpa pela clareza, do presidente Aprigio, está a chegar ao fim.
Um clube com notáveis nacos de história, mas sem quadros, sem meios físicos, sem resposta social e desportiva significativa, como muito bem se diz, não tem no seu quadro um único jogador nado e criado na Figueira, que se mantém no registo do futebol empresa/espectáculo, estará em breve em instável equilíbrio, mais uma vez, porque infelizmente, para a franja dos estóicos navalistas que ao domingo se entregam ao futebol, o presidente Aprigio terá também, como é óbvio, o seu fim de ciclo e esse corresponderá ao fim inexorável do actual modelo desportivo do clube. E depois, como será? Esta é a dúvida que nunca foi possível esclarecer, porque a discussão no seio do clube foi encerrada há muitos anos.
Ora aqui está como o futebol, estará em breve, em minha opinião, ele próprio, seco.
Bem sei que estas coisas são duras de dizer e de difícil discussão. Contudo, nascido nesta cidade e com raízes numa família de artífices que se dividiu de amores pelos dois clubes da cidade que por isso, me obriga a não ser contra nada, nem muito menos ser o sócio tipo. Passei doze anos na Associação Naval 1º Maio, de modo militante e até à dor. Quem quiser perceber como os passei, aconselho a olhar o poente da marina e verá a casa náutica da Associação Naval 1º de Maio, a cuja construção me entreguei de corpo e alma, na companhia do meu amigo António Simões. Ambos fomos os grandes responsáveis pelo único património material do clube. Depois, passei 10 anos pelo Ginásio Clube Figueirense, de novo de modo militante, com obra e história feita. Para mim tanto faz, porque a questão sempre foi a de saber onde é possível, em cada momento, o engajamento social e desportivo. Evidentemente que houve tempos com muita dificuldade, porque nem tudo é um segmento de recta. Bem sei que não foi no futebol, mas porque haveria de ser? É este cidadão empenhado que continua à espera que estas e outras questões, como diz e bem, o meu amigo Rogério Neves, se discutam nesta terra.

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