-“Mãe, tenho fome”.
-“Pára menino...”
A conversa continuou a correr entre a mãe e a professora, para se remediar o absurdo de um filho de uma mãe, também já esquálida, ter ido para a escola com fome. Esta história é verdadeira e foi-me contada pela professora de uma escola primária do Portugal profundo. Histórias como estas, borbotam por aí e é de tal monta que os padres, que são os melhores guardadores de segredos, dizem que vão doar um salário para matar a fome ao seu rebanho. É certo que a caridade coloca a Igreja como peixe na água, mas também ela reconhece que a caridade é só um paliativo para que se não morra de imediato.
Entretanto, é muito elucidativo do estado de alma mas sobretudo do estado físico a que a pátria está a chegar, a decisão que levou a Associação de Hotelaria, Restaurantes e Similares de Portugal, a montar um esquema de pão e sopas, a mitra aí de volta com o palerma e incapaz do Presidente a abençoá-la, capaz de dar alguma solução à muita fome envergonhada, que para ai vai. Não sei como se mata a fome envergonhada, porque fome é fome, mas imagino que um fulano habituado a consumir com algum glamour, agora a cambalear, de algum modo terá de manter as aparências, para não falar dos que nunca tiveram aparência nenhuma. Esta é uma solução que revela um quadro de grande depressão, como há dias verifiquei, casualmente, quando assisti por acaso a uma longa conversa, num espaço público entre duas pessoas amigas. Dizia uma, que o filho de um amigo comum, bem da vida, com família lindíssima e estável, bom emprego, casa e carro de topo, de uma penada, amarinha pelo desemprego, deixando o pai completamente deprimido, porque as coisas tornaram-se violentíssimas e sem aviso prévio. Uma merda, disse o outro. De certo, este cidadão, como tantos outros, que ficou desempregado e que antes estava de bem com a vida e a barriga, só pode ser da classe do meio, o tal centrão, de quem se diz que do ponto de vista eleitoral gosta pouco de aventuras e por isso nunca se mexe. Certo é que tudo é tão rápido, que está a deixar rebuscados neoliberais, deprimidos e sem vontade de vir à luta, mas como parece, com vontade de ir à sopa e ao pão contra a fome envergonhada. Pois é! Estamos num fenómeno em que gente mais ou menos “pipi”, nem sequer teve tempo de se proletarizar, passou logo de imediato à condição de pobreza. É a vida! Confiem que está chegada a hora de provar das belezas do impiedoso capitalismo selvagem, que se está cagando para as aflições dos outros, mesmo dos que nunca se mexem.
È bem certo que o sistema, de que o presidente, o Passos e o Socrátes, são só peões de brega, sempre pareceu incapaz de lhes montar qualquer ratoeira, mas cuidem-se, porque ainda a procissão está a sair do adro.
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