Pela mão de meu pai, em 1958, fomos até à casa do vizinho ouvir a telefonia, porque era a única na aldeia, para sabermos dos resultados das eleições para a presidência da República. Ainda o sol ia alto e já o locutor de serviço, galhardo, dizia que sua excelência o almirante Tomás, levava avanço e a vitória era certa. Dir-se-à que foi sem espinhas. Engano. As espinhas foram muitas. Entretanto, também a telefonia chegou lá a casa e pela entrada da tarde, logo após o almoço, chegou o teatro radiofónico. Nessa altura, as santas das minhas cunhadas deixavam tudo, muitas vezes a louça na banca e corriam para junto da telefonia para ouvir o romance. Começava sempre com três batidas, talvez no tampo da secretária do locutor, que de seguida, esticava a voz e dizia: - teatro tide. Era a paz feita de modorra, pobreza e embrutecimento.
Nessa pequenez, para além do teatro tide, cabiam os romances de faca e alguidar da Corin Tellado. Foi o País de meia dúzia de famílias, que mandavam como queriam e por isso, a classe média de que hoje se diz que prefere estar sossegada a mexer-se, quase não existia. E hoje, que dou um salto no tempo e puxo pelas minhas memórias, parece-me que vejo algo semelhante.
No dia 23/1/2011, se me encostar à telefonia cá de casa, talvez ouça o locutor de serviço de novo, galhardo, dizer, ainda antes do sol raiar, que Cavaco Silva leva vantagem e a vitória é certa e sem espinhas. E depois mais à noite, agora não na telefonia, mas na caixa que nos mostra o mundo a ver coisa semelhante ao teatro tide, a casa dos segredos, na vã esperança de ver uma cena de amor. Mas se passarmos pelo café, para a bica da noite, chegará até nós, não os romances de Corin Tellado, mas a revista “hola”, que mostra reis e rainhas, príncipes e princesas, famosos de todo o modo, como jogadores da bola, paneleiros desavindos e pobres de espírito metidos a besta. E ainda, esse integro e ínclito jornal, o Correio da Manhã que nos traz o País do mata e esfola e fotografias de gajas boas. Esta sim, uma novidade, porque nos tempos do Américo Tomás, ai dos impúdicos! Essas coisas eram feitas a ouvir suaves sons, no recato das garagens, onde os filhos da gente fina, abriam a braguilha e puxavam a mão da menina, sussurrando ao ouvido, toma lá amendoins, até se chegar, por tentativa, aos bailes da gravatinha.
O país de hoje tem estradas, que em 58 não tinha, a TV que então não existia e por isso deixou de se ouvir o teatro tide. Os livrinhos da Corin Tellado são uma recordação e os meninos de todo o tipo de famílias, agora, vagueiam pela noite, em lugares às vezes perigosos e de democráticas bebedeiras. Contudo, este mesmo povo, apesar de tantas mudanças, é incapaz de dizer basta e dar um coice. Mantem a mesma pobreza material e cultural. Continua mula de carga ao serviço, desta feita, dos muitos meliantes de 5 estrelas, que por ai cresceram.
Vou ver se me consigo ainda lembrar se o natal e a passagem de ano de 58/59, é mais ao menos igual ao natal e à passagem de ano de 2010/2011. Depois conto.
Até lá, votos de bom ano.
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