quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Desafiem o vosso democrático voto

Augusto Alberto

Hoje estive sobre a campa do “Hera”. O cargueiro que em meados da década de 60 do século passado, numa noite de vento e lavadia, se sepultou, mesmo agarrado ao molhe norte, sob areia fina, húmida e morna. Corri pela praia, desde o Teimoso até lá e voltei. E é desta praia, figueirinhas, que vos quero falar e para dois desafios.
O primeiro, desafiá-los a utilizar o colossal espaço lúdico que a natureza construiu na sequência do prolongamento do molhe norte. Não devereis recusar, porque ali está, como nenhum outro. Exactamente, porque o outro que esperamos e que deveria ser construído pelos homens, não existe. Os homens nunca foram capazes de nos dar tamanha alegria, antes pelo contrário, quase tudo o que têm conseguido é encornar-nos. E agora a natureza, sorrateira, substitui o poder autárquico, ainda que os amantes do surf se queixem que lhes roubou a “maluca”. Perdoe-se, porque as duas plataformas, de areia fina e dura, a superior e inferior, quando a maré escarna, da Tamargueira até ao molhe, estão sublimes.

Passeiem da Tamargueira até ao molhe. Sobre o “Hera”, firmem bem os olhos de frente para a vila, porque verão, em suave socalco, o forte que resistiu a piratas e às hordas de Napoleão e o casario piscatório, num quadro cromático sublinhado pelo tom único, de cinza, da Figueira. Na vazante, passeiem candidamente pela plataforma inferior, ligeiramente arrampada, com uma frente para lá dos 100 metros, seguramente, desde a consolidada plataforma superior, até onde a vaga se espraia, olhem os finíssimos canais que a água subterrânea que corre dos caneiros de Buarcos e do Galante constrói até chegar ao mar. Vejam o sol saltar nas microscópicas pedras de mica e quartzo. Vejam os bandos de gaivotas e os seus voos rasantes. Ouçam o marulhar das ondas, aspirem a maresia mais o iodo. Sublime!
O segundo convite, na sequência do primeiro, vai no sentido de desafiarem o vosso democrático voto. Sugiro que entrem na sala, recolham o vosso voto, não se dirijam à câmara, não o danifiquem, não o tornem branco, saiam da sala, dirijam-se à praia, de preferência em grupo, e atirem-no ao oceano, elegendo a natureza vossa depositária e mãe, mandando às malvas os que ao vosso voto, respondem com tretas. Assim, como se atiram flores a “yemanjá”, sereia e rainha das águas, mãe dos orixás, protectora da vida. Afinal, o mar é o bálsamo que cura feridas que alguns homens se entretêm a abrir.
Já sei, virá cá alguém e perguntará, e o senhor atirará o seu voto ao mar? Eu, nunca! Votarei sempre como tenho votado. Não sinto remorsos, porque o meu voto nunca foi dado a quem nos tem andado a encornar, por isso, não tenho que mudar. Exactamente encornar, porque após as promessas, os figueirinhas são sempre os últimos a saber que afinal as promessas não são para cumprir.
Até à próxima.

2 comentários:

samuel disse...

Boa malha! Ainda por cima está muito bonito...

Abraço.

Guimaraes disse...

Virou poeta...!