Viajo pelo Portugal profundo numa manhã de morrinha e neblina e entro num café de uma pequena localidade do interior, pelas 8.00 horas. Sento-me a tomar o café do dia e aproveito para prestar atenção às notícias da manhã, que passam na TV. Há pessoas que entram e pessoas que saem, muitas delas alabardadas em roupas já sujas que espalham um cheiro náuseo, após dias de trabalho, espelhando com clareza parte do país e do povo que somos, a quem, de quando em vez é permitida a possibilidade de, pelo voto, dar o aval a uns tipos de fato imaculado, que desta vez, resolveram pedir “fiado”, após terem malbaratado o país e esbulhado este povo que corre à lufa-lufa, nem que seja para o engano.
As notícias chamam a atenção de dois homens, encostados ao balcão, que rodam no sentido da televisão e depois de tomarem boa nota do que ali estava a ser dito, um deles comentou: - “se eu também tivesse uma reforma de 1.500 euros, não me chateava nada que me tirassem 50 euros”. O café logo me caiu mal, porque topei ali uma triste pequenez, submissão e inveja, coisas muito ao gosto de uma certa cultura cristã, que modela um certo povo de Portugal. Entretanto, na rua a chuva miudinha persiste e obriga a que as pessoas se acantonem dentro do café, que em dado momento se assemelha a um bazar, com a algazarra a crescer. Começo a ter dificuldade em ouvir. Mas entretanto, mais gente mostra interesse em saber o que se diz e apesar do barulho e da confusão, ainda tive tempo de anotar novo comentário: - “apesar de não ter vivido naquele tempo e de saber que fez algumas coisas más, Salazar foi um grande homem. Nunca roubou. Nasceu pobre e morreu pobre. A única coisa que deixou foi uma casa a cair de podre, lá na terra onde nasceu”. E ainda outra réplica, feita de sujidade, que por ali já não era pouca. – “Olhe, nesse tempo não se viam as porcarias que se vêem agora. Se um tipo mijava para o chão, a polícia apanhava-o e prendia-o. Agora, até à frente da polícia se mija”.
Não sou dali, nem conheço ninguém, mas se fosse, teria dito. É verdade, agora infelizmente não se prendem os que mijam, sobretudo, os que mijam sobre nós. Mas como sou um cidadão em passagem e a beber o único café diário, levanto-me e saio direito à chuva miudinha que lava o asfalto, com o estômago em aperto. Retomo a minha viagem, mas levo uma observação.
Infelizmente e após tanto tempo, ainda anda por cá muito povo lázaro.
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